Que Fim Levou o Bebê de Susan Richards?

A pergunta parece estranha à primeira vista, já que Susan Richards (Invisible Woman) teve dois filhos (Franklin e Valeria), mas o leitor mais veterano sabe que Susan perdeu um bebê (que provavelmente seria Valeria), mas esse “erro” foi corrigido pelos poderes de Franklin (como? vamos relembrar mais adiante). No entanto, não estou me referindo a esse bebê, mas estou me referindo a outro, que simplesmente sumiu de cena e nunca mais foi mencionado… por quê? A resposta é meio perturbadora, mas é real… acho… hehe

Primeiro vamos falar sobre filhos de super-heróis – isso não era novidade quando Franklin nasceu, mas era muito pouco usual. Aliás, não só isso, mas até mesmo o casamento de Mister Fantastic e a então chamada Invisible Girl não era novidade, mas era pouco usual nesse meio. Obviamente, para os costumes da época (o casamento se deu em Fantastic Four (1961) Annual #3 (outubro/1965) e o nascimento de Franklin ocorreu em Fantastic Four (1961) Annual #6 (novembro/1968 )), era moralmente necessário casar antes de se ter um filho.

Franklin se tornou um personagem constante nas histórias do Fantastic Four, inclusive em uma história polêmica que causou a separação momentânea de Reed e Sue: mutante, com seus poderes psíquicos de alteração de realidade e a mente de uma criança de colo, Franklin era um risco que fez com que Reed o colocasse em um estado vegetativo (isso aconteceu em Fantastic Four (1961) #141 (dezembro/1973)). Eventualmente as coisas foram voltando ao normal, mas sempre com aquela ameaça dos poderes incomensuráveis de Franklin – no entanto, pode ter tido um efeito colateral nunca assumido, já que Franklin ficou anos sem “envelhecer”… hehe

Bem, alguns anos depois, esse assunto de “bebê fantástico” seria retomado na excelente fase de John Byrne escrevendo e desenhando as histórias do Fantastic Four. Como já falamos outras vezes, Byrne sempre gosta de uma abordagem “back to basics” (de volta ao básico), a partir do qual desenvolve novas situações criativas. Dentro dessa abordagem, fazia sentido termos um novo casamento (no caso entre Johnny Storm e Alicia Masters [era uma skrull, na verdade, mas isso não foi obra de Byrne) e um novo nascimento – sim, Franklin ganharia uma irmãzinha! Só que… Byrne cometeu a ousadia de contar a história de um aborto acidental.

Sim, o bebê foi contaminado por uma quantidade inimaginável de radiação antimatéria da Negative Zone, combinada com a própria radiação cósmica que deu os poderes aos pais e a Franklin. Nem o auxílio dos maiores especialistas em radiação do Universo Marvel (Walter Langkowski (Sasquatch), Bruce Banner (Hulk) e Otto Octavius (Doctor Octopus)) – isso aconteceu em Fantastic Four (1961) #267-268 (junho-julho/1984).

Aí, alguns anos depois, tivemos o megaevento Onslaught, no qual o Fantastic Four e uma parte dos Avengers foram dados como mortos para derrotar o vilão (o próprio Onslaught). Todos já sabemos que esses heróis foram “recriados” por Franklin Richards que, usando seus poderes, criou uma realidade alternativa, em que suas cronologias foram zeradas – era a realidade de Heroes Reborn.

Heroes Reborn foi uma “terceirização” desses personagens para os estúdios de Jim Lee e Rob Liefeld, que haviam deixado a Marvel para formar a editora Image. O objetivo era revigorar as franquias, que perdiam interesse dos leitores. A experiência durou 13 meses (Jim Lee assumiu tudo da metade em diante) e teve algumas partes interessantes (principalmente no material produzido por Lee). Na série de Fantastic Four, Mister Fantastic e Invisible Woman não chegaram a se casar, mas, na edição #11 (setembro/1997), por Jim Lee e Brett Booth, Sue informou Reed de que estava esperando um bebê. Isso fez com que Reed a pedisse em casamento na edição #12 (outubro/1997) enquanto enfrentavam Galactus.

Muito bem, poderia até ser uma nova versão de Franklin Richards ali, mas a série terminou na edição #13 (novembro/1997) e os heróis voltaram ao Universo Marvel principal (o 616). Quando a série Fantastic Four foi reiniciada em janeiro de 1998, por Scott Lobdell (roteiro) e Alan Davis (arte), nada foi mencionado. E se continuou não mencionando nada em seguida, inclusive quando Chris Claremont e Sal Larroca se tornaram a nova equipe criativa da revista.

Claremont até mesmo introduziu uma Valeria adolescente de um futuro alternativo, em que era filha de Sue e Doctor Doom! Essa Valeria ficou um bom tempo associada ao Fantastic Four, adotando o codinome de Marvel Girl. Isso até as coisas mudarem na fase do Fantastic Four escrita e desenhada pelo espanhol Carlos Pacheco – aí se revelou que ela era a MESMA bebê perdida por Sue no passado, mas que Franklin, com seus superpoderes, a salvou e a transferiu para outra realidade, onde foi curada por Doctor Doom. Após essa revelação, Franklin alterou pontualmente a realidade/cronologia 616, ao regredir a idade de Valeria e “reinseri-la” no útero de sua mãe, para que nascesse saudável (!!??!).

Daí em diante, Valeria cresceu e se tornou uma personagem relevante na franquia, com sua superinteligência precoce e, finalmente, tudo estava resolvido, e os dois irmãos estavam saudáveis, certo? Certíssimo… maaaassss…. e aquele bebê de Heroes Reborn? Aquele do qual nunca mais se falou? Ninguém sabe, ninguém viu.

A Marvel simplesmente apagou o fato e seguiu em diante. O que se pode elucubrar a partir daí é a mesma coisa que foi mostrada em Avengers (1997) Annual 2001 (setembro/2001), em um backup produzido por Kurt Busiek e Ian Churchill no qual se resolviam “pepinos” cronológicos em geral dos Avengers. Lá soubemos que os Avengers que voltaram modificados de Heroes Reborn (Iron Man, Wasp e Hawkeye) foram, na verdade, resultados da fusão da versão anterior com a versão “recriada” por Franklin Richards. Confuso? Franklin “recriou” os heróis usando as versões que ele conhecia, ignorando modificações mais recentes que tivessem sofrido. Assim, extrapolando essa situação, podemos concluir que o bebê não nascido desapareceu quando Franklin “fundiu” sua mãe anterior a Onslaught e a versão “recriada” – como Sue Richards não estava grávida antes de Onslaught, presume-se que essa versão prevaleceu no resultado final. A Marvel nunca admitiu isso, mas faz sentido dentro do contexto. Resolvido? Podemos dizer que sim, mas que é incômodo, é, afinal, uma vida foi eliminada por uma criança superpoderosa sem nenhum remorso. Brrr…

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Fantastic Force: O início e o fim da carreira de roteirista de Tom Brevoort – parte 2

Conforme discutimos na primeira parte deste post, falamos que o editor executivo Tom Brevoort já teve sua chance como roteirista de quadrinhos, em parceria com Mike Kanterovich. Além de algumas histórias ocasionais em alguns títulos, Brevoort e Kanterovich ficaram responsáveis por uma série de 18 edições: Fantastic Force (1994). A Fantastic Force foi criada por Tom DeFalco, que preparou o terreno em histórias do Fantastic Four.

Na época, Mister Fantastic havia “morrido”, junto com Doctor Doom, (na verdade, estavam perdidos no tempo), e Invisible Woman liderava a equipe com Human Torch e Thing, além de Ant-Man (Scott Lang), Namor e Lyja (a esposa skrull de Human Torch) auxiliando quando necessário. Franklin Richards, o “garoto que nunca cresce”, estava adolescente. Por que eu falei “estava”? Porque ele foi levado para outra realidade por seu avô, Nathaniel Richards, onde permaneceu vários anos treinando seus poderes mentais. Essa realidade já era conhecida dos leitores da Marvel – era o “presente alternativo” de Elsewhen. Nathaniel “raptou” seu neto porque ele seria importante em fatos que se desenrolariam. Além de voltar mais experiente, Franklin também veio com uma armadura especial para controlar seus poderes, assumindo o codinome de Psi-Lord.

A filha de Nathaniel no Elsewhen, Huntara, também veio para a realidade 616 (a principal da Marvel), inicialmente como vilã e membro do Fearsome Four. Huntara estava ali para ajudar o sobrinho quando fosse necessário, usando sua força ampliada, velocidade sobre-humana e uma foice psíquica (!?). Ao mesmo tempo, somos apresentados a um adolescente de Wakanda, chamado N’Kano (codinome Vibraxas), com poderes vibratórios descontrolados – o que leva Black Panther, seu soberano, a procurar o Fantastic Four para poder treiná-lo (?!) (Black Panther não podia fazer isso?); não bastasse isso, Black Panther se encontrou com os Inhumans (para quê?!!), e Black Bolt (o soberano dos Inhumans, se você não sabe) apresentou seu próprio problema: um jovem inhuman chamado Devlor. Devlor é um inhuman “diferente”, pois é transmorfo – ele é “humano”, mas se transforma em uma criatura simiesca. A diferença é que ele pode ter duas formas, o que não é comum entre os Inhumans, e gera preconceito. Black Bolt quer que ele se controle também.

Muito bem, em certo momento, o Fantastic Four enfrentou um vilão poderoso, o Dark Raider, que era um Reed Richards “do mal” da realidade 944. A derrota do vilão, porém, tem uma consequência séria: os 3 membros restantes do Fantastic Four se separam (isso acontece em Fantastic Four (1961) #392 (setembro/1994)) – aí surge a Fantastic Force, “substituindo” o Fantastic Four e orientada por Black Panther.

Embora Psi-Lord e Huntara já estivessem aparecendo há um tempo razoável nas histórias do Fantastic Four, Vibraxas e Devlor apareceram “de repente”, o que pareceu ser algo feito no afogadilho. Em uma época de expansão desenfreada das linhas de quadrinhos, como já falamos antes, isso era bastante comum – não se pensava muito em planejar as coisas: tinha-se a ideia, obtinha-se aprovação e já se começava a pôr a mão na massa. Assim, ninguém esperava que viria algo desse tipo, mas fazia parte da moda da época, como também já dissemos.

E, pela mesma razão, todo mundo que estivesse disponível para produzir essa explosão de revistas ganhava suas chances. Dessa forma, Tom Brevoort recebeu a ajuda de Mike Kanterovich no roteiro e contou com a arte do italiano Dante Bastianoni (estreando nos EUA). Fantastic Force deveria “substituir” Fantastic Four, mas, na verdade, a revista Fantastic Four continuou saindo, apresentando o que acontecia com os membros separados da equipe. Mas, isso modificou alguma coisa?

A revista Fantastic Four não vinha sendo um grande sucesso de vendas nos últimos tempos, mesmo que houvesse toda a avalanche de revistas lançadas a toda hora. É por essa razão, inclusive, que tivemos a linha Heroes Reborn (terceirização de 4 títulos, incluindo Fantastic Four, para a Image) – para alavancar as vendas usando os grandes astros da época. Bem, nessa situação, havia uma aposta de que Fantastic Force podia vender melhor? Talvez pela “atualização” do conceito e, certamente, com um lançamento desde o número 1.

Isso não aconteceu na prática, mesmo com o título sendo publicado por um ano e meio. E, provavelmente, também porque o roteiro não era muito caprichado. A sequência dos eventos e confrontos era rasa, corrida e gratuita – por exemplo, na primeira edição, Klaw aparece do nada na sede do grupo… para quê? Para se vingar de Huntara, sua companheira no Fearsome Foursome? Não fica claro e é tudo muito corrido.

A caracterização dos personagens também é cheia de clichês, inclusive com “lições de moral” – Vibraxas é orgulhoso e nariz empinado e Devlor é um covarde que demonstra inabilidade quando é forçado a atuar. Por outro lado, Huntara era retratada como estando sempre no limite de perder o controle e ser violenta e Psi-Lord era o líder sempre em dúvida e dilemas existenciais. Isso aparentemente foi sendo percebido pelo editor e pelos roteiristas, que resolveram colocar mais “pimenta” nessas caracterizações: Vibraxas matou um inimigo acidentalmente e ficou traumatizado, sendo até mesmo perseguido pela polícia; Devlor morreu e ressuscitou; Huntara teve sua origem questionada, quando foi identificada como sendo uma pessoa que estava desaparecida; e Psi-Lord demonstrou toda a sua instabilidade psíquica ao criar manifestações físicas de suas facetas psíquicas: Tattletale, Ego-Spawn e Avatar.

O próprio Black Panther estava meio diferente, com uma aparente limitação de sua capacidade de liderança e sua inteligência. Mesmo assim, a partir do momento em que se concluiu que os membros adolescentes não estavam aprovando, Black Panther entrou na ativa do grupo, assim como Human Torch e She-Hulk também se juntaram à equipe. Nada disso ajudou, com a equipe sendo dissolvida quando Mister Fantastic voltou do passado distante e o Fantastic Four se formou novamente.

E o que ficou de legado de Fantastic Force? Praticamente nada. A série (que durou 18 edições, entre novembro/1994 e abril/1996) não deixou saudade, com Psi-Lord voltando pouco depois a ser criança e os outros adolescentes praticamente indo para o limbo dos quadrinhos (aparecem aqui e ali esporadicamente). Os eventos ocorridos não tiveram nenhuma repercussão e/ou referenciação na cronologia/continuidade. A ressaca foi tão grande que se levaram muitos anos para surgir um novo grupo ligado ao Fantastic Four (no caso, as duas versões da FF – a outra Fantastic Force era de um futuro alternativo, não relacionado), e também se encerraram as carreiras de Brevoort como roteirista e de Kanterovich e Bastianoni na Marvel. Brevoort lucrou mais como o editor competente que se tornou… hehe

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Fantastic Force: O início e o fim da carreira de roteirista de Tom Brevoort – parte 1

Quem acompanha a Marvel regularmente conhece o nome de Tom Brevoort, que está sempre presente em panels de convenções de quadrinhos e dá entrevistas para a mídia. Brevoort entrou na Marvel em 1989 como estagiário não remunerado e foi crescendo dentro da empresa, como editor assistente e editor, tendo sido editor dos títulos de Avengers e Fantastic Four por um longo período, continuando nesse cargo até mesmo quando se tornou editor executivo da Marvel em 2007. O editor executivo é um cargo imediatamente abaixo do editor-chefe, e ele continua nesse cargo até hoje, mesmo depois de também ser indicado para ser vice-presidente sênior de publicação em 2011 (aí deixando de editar as revistas diretamente). Portanto, é uma figura bem conhecida e bem importante dentro da empresa.

Por outro lado, temos uma antiga “tradição”, de que vários roteiristas dos comics eram geralmente fãs de quadrinhos que entraram nos bastidores e começaram sua carreira como… editores assistentes ou editores. Assim, era de se esperar que Tom Brevoort, com uma atuação nessa área. Isso era meio natural porque os editores participavam de todo o processo de criação, produção e montagem das revistas e, assim como goleiros geralmente têm boas chances de se tornarem técnicos de futebol por enxergarem todo o time durante os jogos.

Brevoort teve sua oportunidade, mas em um momento não muito propício, já que a moda da época envolvia estilos bem rasos. Sim, estamos falando dos anos 1990, que são geralmente motivo de muita piada e lembranças bizarras… hehe

Já falamos aqui no blog, na coluna A Bit o’ Navel, de que essa “lenda” de que o material dos anos 1990 era todo “descartável” e “péssimo” não é totalmente verdade. Houve materiais excelentes nessa época, e que se tornaram clássicos até hoje… mas, sim, também houve muita tranqueira, que também existe em todas as épocas… hehe. De qualquer forma, os anos 1990 tiveram uma coincidência de que o que era tosco ou fraco vendia muito. Foi um período em que se vivia a bolha especulativa dos comics, em que muitos colecionadores compravam várias cópias de revistas para especular em revenda (principalmente com o estímulo de capas variantes, cromadas, metalizadas, cards de brinde, etc). Mesmo editoras menores e independentes vendiam muito bem também – e, por isso, as editoras possuíam linhas enormes de séries saindo todos os meses. Com esse excesso de oferta, obviamente mais gente foi contratada (para escrever e desenhar), e o padrão geral caiu. Eventualmente a bolha estourou, e a Marvel quase faliu (não só por isso, mas também), assim como várias outras editoras menores fecharam ou tiveram de mudar seus modelos de negócio.

Muitos especialistas apontam a “imagização” do mercado como o grande culpado por isso – um grupo de astros desenhistas da Marvel resolveu fundar sua própria editora (Image), valorizando mais o visual do que o texto (afinal, eram desenhistas originalmente). A Image foi um sucesso enorme e esse estilo se espalhou por todas as outras. É verdade até a página nove… já que, sim, a “imagização” criou essa coqueluche no mercado, ditando as tendências, mas esses artistas já haviam começado a fazer isso na Marvel, assim como a DC e outras editoras já estavam embarcando nesse rumo – ou seja, os criadores da Image apenas incrementaram e amplificaram a tendência.

Então foi nessa época que Brevoort recebeu sua chance como roteirista e… bem… não deixou saudades. Aliás, Brevoort nem mesmo fez os roteiros sozinho – ele fez parceria com o roteirista Mike Kanterovich, que vinha da Archie Comics. Essa parceria fez algumas histórias isoladas de Spider-Man, Sleepwalker e Secret Defenders, além de algumas edições de licenciamentos publicados pela Marvel (Mad Dog e Double Dragon). A dupla, porém, teve uma série exclusiva sob seus cuidados: Fantastic Force (1994), que durou 18 edições (novembro/94-abril/96), com arte do italiano Dante Bastianoni (desenhista do fumetto (quadrinho italiano) Nathan Never).

Essa é a primeira Fantastic Force da Marvel (houve uma mais recente, nos anos 2000, com um conceito muito mais elaborado, por Mark Millar, e sem relação com a anterior). Pelo nome, já se vê que estava nessa vibe da época, de criar versões “militarizadas” ou “extremas” de equipes de super-heróis, geralmente com a palavra “Force”. Fantastic Force não era militarizada, mas tinha uma postura mais assertiva e arriscada que o Fantastic Four original.

A equipe foi criada por Tom DeFalco, então ainda editor-chefe da Marvel e que escrevia a série de Fantastic Four há anos (DeFalco ficou na revista entre 1991 e 1996), onde criou vários personagens, entre heróis, vilões e coadjuvantes, como também fez em seu período na revista de Thor (onde ficou entre 1987 e 1993).

Em Thor, DeFalco criou a equipe dos New Warriors, que foi um sucesso na primeira metade dos anos 1990 e criou uma base fiel de fãs até hoje. Esse resultado empolgou DeFalco a criar outra equipe adolescente – Fantastic Force. A ideia era criar uma versão “New Mutants” do Fantastic Four, com heróis adolescentes sendo “treinados” para assumir a equipe no futuro. Até aí, nada de muito diferente do que se vê por aí, sendo até um recurso comum em universos compartilhados. A questão é como isso aconteceu – e, no final das contas, DeFalco acabou “substituindo” a equipe original por essa nova… bom, mais ou menos.

Vamos ver como isso aconteceu na segunda parte deste post.

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Quando só resta o Juízo Final como desafio: “Galactus Trilogy”!

Quem conhece a história da concepção do Universo Marvel e do desenvolvimento das “tradições” da Marvel, já sabe esta história de trás para frente: Fantastic Four foi o pontapé inicial em novembro/1961, e ali não só se instituiu uma forma diferente de equipe (um “núcleo familiar”, misturado com exploradores do desconhecido), mas também formas inovadoras de caracterização de super-heróis (mais humanos e falhos) e de continuidade (havia não só uma sequência cronológica entre as histórias, mas também um “clima” de simultaneidade – não só personagens de uma série apareciam em outras, como também fatos ocorridos em uma revista podiam ter consequências ou relação com histórias de outras revistas). Junte-se a isso a explosão criativa de Stan Lee, Jack Kirby e Steve Ditko, principalmente. Essa “revolução” não planejada foi potencializada pelo hábil e exagerado marketing de Stan Lee, que popularizou os personagens para novos públicos – o que se tornou o padrão do mercado.

Mas, mesmo com tanta criatividade, já falamos aqui outras vezes que as primeiras histórias, inclusive de Fantastic Four, tinham muitos clichês e estereótipos do zeitgeist da época. Embora não criassem rejeição (na época), esses elementos foram sofrendo uma evolução, principalmente nas histórias de Fantastic Four, que arranhavam temas científicos mais avançados, pelo menos pretensamente. Isso refletia não só o famoso “Método Marvel de Crias Histórias”, em que havia uma troca criativa entre roteirista e desenhista (que participava mais ativamente do enredo), mas também o amadurecimento profissional de Jack Kirby, de onde saíam esses conceitos mais ousados.

Assim, em um período em que arcos de histórias não eram uma prática comum, a rotatividade de temas a serem explorados nas histórias era enorme (ainda mais refletindo a conformação original e seminal do Universo Marvel). E, com isso, começavam a escassear ideias “novas” – no caso de Fantastic Four, já parecia não haver mais inimigos que não fossem derrotáveis – o que criar então? Foi aí que Stan Lee teve a ideia de fazer o Fantastic Four enfrentar uma ameaça de proporções bíblicas – o dia do Juízo Final!

Obviamente, em uma sociedade americana então bem mais conservadora e religiosa (em 1966), não havia lógica (e nem interesse) em transformar Deus em um vilão para ser derrotado pelo Fantastic Four. Assim, “Deus” passou a ser representado por uma criatura praticamente onipotente que criaria uma situação de fim do mundo, em que a própria realidade desafiaria o Fantastic Four em uma condição praticamente invencível e inevitável. O destino do planeta Terra estaria em jogo, nas mãos de um inimigo que representaria a fúria amoral da natureza.

Sim, faz muito sentido que Stan Lee usasse seu tom épico e hiperbólico para contar essa história da “ameaça final e invencível”, mas a criatividade desenfreada de Jack Kirby também não seria desconsiderada.

Seguindo o “Método Marvel”, Lee apresentou a ideia básica da história (que, pela epicidade envolvida, sairia em 3 edições – Fantastic Four (1961) #48-50 (março-maio/1966)) e Jack Kirby tratou de criar o visual dos novos personagens: o alienígena aliado (Watcher), o “Deus” (Galactus, com um inexplicável “G” no uniforme – que poderia ser “God” também) e um personagem “bônus”, que ele desenhou meio “de graça” – um sujeito metálico “voando” em uma prancha de surfe. Lee olhou esse personagem e quis saber do que se tratava – Kirby respondeu que pensou em um “arauto” (um “anjo” precursor) e pensou em usar um “signo” pop da época (os filmes de praia, envolvendo surfistas, eram uma febre, principalmente os estrelados por Elvis Presley) com um toque de ficção científica. Lee adorou o conceito – nascia o Silver Surfer, um dos personagens preferidos de Lee e estrelaria uma série própria, adorada pelos universitários da época.

O Juízo Final bíblico representa a volta de Cristo para resgatar os salvos e ressuscitar os mortos (salvos) – a partir daí, abre-se toda uma discussão escatológica que varia de acordo com as correntes denominacionais cristãs, mas a conclusão se dá com a derrota de Satanás e o julgamento definitivo de cada ser humano. Para chegar lá, porém, trombetas soarão, sinais serão vistos nos céus, etc. Lee e Kirby reproduziram esses “sinais” para anunciar a chegada de “Deus” (Galactus), anunciada por seu arauto – mas, antes de tudo, alertada pelo Watcher.

Qual seria a finalidade da chegada de Galactus? A verve criativa da dupla em seu auge chegou a uma solução original: Galactus é uma entidade cósmica que atua pela “entropia” – ele se alimenta da energia cósmica/vital que sustenta os planetas que abrigam vida. Seu arauto vai à frente procurando planetas apropriados para o apetite de seu mestre.

Lee e Kirby produziram uma história bem amarrada, épica, cheia de tensão, aventura, surpresas, ficção científica e dramas essenciais e filosóficos para todos os gostos. E ali lançam-se vários conceitos que depois seriam “copiados” e adaptados por outros roteiristas dos comics: o vilão que é uma força incontrolável da natureza, o herói desesperado por suas limitações e que explode com seus amigos (Reed Richards), o alienígena que quebra seu voto de não interferência ao questionar o sacrifício de uma espécie promissora (Watcher), o alienígena distante que sente compaixão pela humanidade e é punido por seu superior após esse ato de “traição” (Silver Surfer) e a “derrota” da ameaça por meio de um blefe (ou não?), mostrando que ninguém é absolutamente onipotente ou inatingível (Reed Richards usando o Ultimate Nullifier [“cedido” pelo Watcher] para ameaçar Galactus).

O auge criativo de Lee e Kirby ainda estava longe de acabar após essa história – eles criaram muitas outras ameaças “inéditas” e “definitivas” depois disso, tanto nas histórias do Fantastic Four quanto nas de Thor (portanto, houve uma escala além de “Deus”… hehe), mas essas 3 edições do arco de Galactus (chamada de “Galactus Trilogy”) marcaram a indústria dos comics – ali se estabeleceu mais um divisor de águas, implantando-se as bases para epopeias cósmicas e questionamentos metafísicos da realidade e do real significado da humanidade (algo que sempre fascinou Kirby e, certamente, inspirou as obras-primas de Jim Starlin, mas que vinha lá da tradição do sci-fi de Isaac Asimov, Arthur C. Clarke e Philip K. Dick). Pode-se dizer que as histórias cósmicas/espaciais dos comics, que até então reproduziam clichês alegóricos dos anos 1950, subiram mais um degrau, a caminho de abordagens mais adultas e profundas.

Roy Thomas repetiria o “Juízo Final” alguns anos depois, na mesma revista Fantastic Four, e envolvendo Galactus e um novo arauto (o androide Gabriel the Air-Walker… que tocava uma trombeta!), mas o padrão e a referência já estavam estabelecidos por Lee e Kirby.

Por fim, Lee e Kirby mostraram que, quando a criatividade está inspirada, nem mesmo ameaças catastróficas representam becos-sem-saída se o drama, o enredo e a ação estão bem azeitados. Mesmo com mais de 50 anos de idade, a “Galactus Trilogy” se mantém interessante e empolgante, mesmo com seus elementos inevitavelmente mais datados. É realmente algo difícil de acontecer.

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A fixação de Doctor Doom pela onipotência… por bons motivos? – parte 2

Como vimos na primeira parte do post, Doctor Doom foi criado como um personagem estereotipado, um cientista maluco, com “algo a mais” – era o soberano de seu próprio país. Mas, afora essa novidade para a época, o resto era tudo um monte de clichês. No entanto, o personagem começou a crescer em caracterização a partir dos anos 1970, principalmente quando ganhou uma série regular própria no mix da revista Astonishing Tales (1970) – ele passou a ser retratado como um “déspota esclarecido”, admirado por seus súditos, e com planos expansivos (e quase messiânicos) para o resto da humanidade.

Para isso, o objetivo passou a ser conquistar a onipotência. Daí por diante, os leitores começaram a ver planos e mais planos de obter poder e mais poder. Doom ainda tinha seus rompantes de revanche pura contra o Fantastic Four e aparecia com frequência em outros títulos, nem sempre de forma séria (como o caso do arco de Luke Cage Hero for Hire (1972), em que deu calote em Luke Cage – já fizemos posts sobre essa história cômica aqui no blog), mas os planos estavam mais ambiciosos e, muitas vezes, chegavam a obter sucesso, mesmo que temporário.

A busca pela onipotência nunca foi exclusividade de Doctor Doom – outros vilões da Marvel sempre buscaram isso também, como Red Skull (usando cosmic cubes) e Thanos (primeiro com cosmic cubes e, depois, com as Infinity Gems e a Infinity Gauntlet). Porém, Doom tinha um objetivo mais “nobre” – a onipotência serviria para “salvar a humanidade”, com ele comandando tudo, claro.

A primeira fixação de Doom foi com a energia cósmica de Galactus – Doom queria absorver essa energia em sua armadura, extraindo-a dos arautos do Devorador de Planetas: primeiro Silver Surfer, e depois Terrax. Depois veio a experiência com um cosmic cube senciente – o Beyonder. Doom conseguiu absorver esse poder nas primeiras Secret Wars (lá nos anos 1980), e só foi derrotado por causa de sua própria imperfeição. Sim, Doom não era “perfeito” o suficiente para suportar e controlar o poder puro de um cosmic cube.

Doom ainda tentou as Infinity Gems, sem sucesso. E também se revelou que ele estava por trás do “enlouquecimento máximo” de Scarlet Witch (quando ela quase destruiu os Avengers) – a entidade extradimensional que amplificou os poderes de Scarlet Witch e a enlouqueceu foi contatada por Doom, que ofereceu a ajuda desse recurso para reviver os filhos da heroína. Doom também queria se casar com Scarlet Witch e, aí, controlar seu poder quase… onipotente.

Aí veio o evento Axis, em que Doctor Doom foi “invertido” para uma personalidade boa, de herói. E ele quis desfazer uma série de maldades que fez em sua história. Doom já havia flertado com o “heroísmo” algumas vezes, não só em suas aventuras solo, mas também em suas interações com o Fantastic Four, tendo até participado da Future Foundation (grupo associado ao Fantastic Four). Mas essas experiências sempre foram guiadas pelo custo-benefício – ele faria o “bem” visando um ganho pessoal adiante. Durante sua “inversão”, porém, isso foi anulado – ele queria fazer o bem desapegadamente.

Mas isso obviamente não durou e Doom voltou ao que era… mas mais uma vez foi “herói”, buscando o interesse próprio – e era a onipotência. Doom evitou a destruição do Multiverso Marvel ao absorver poder de vários Beyonders. Ele, Molecule Man (para estabilizar) e Doctor Strange conseguiram essa proeza, que levou às Secret Wars mais recentes – Doom se tornou “Deus” ao resgatar várias realidades alternativas e costurá-las em um único planeta (o novo Battleworld). O onipotente Doctor Doom havia conseguido seu objetivo de toda uma vida: salvou a humanidade (e, no caso, de várias realidades, e não só de um planeta) e se tornou seu “Deus”, sendo adorado, em troca de proteção e sustento. Todos dependiam de Doom, que governava com mão de ferro, mas também com compaixão ao mesmo tempo… mais ou menos.

Doom finalmente conquistou certa paz de espírito com a experiência, e sua psique desenvolveu até mesmo compaixão e certa magnanimidade (inclusive manteve seu rosto deformado como lembrança de que não poderia “voltar ao que já foi no passado”)… principalmente após eliminar seu grande rival (Reed Richards) da realidade, assumindo sua esposa e filhos como sua família. Embora houvesse conflito nas várias realidades costuradas entre si, e também entre elas, Doom resolvia apenas com seu olhar. Aqueles que ousavam desafiá-los, eram exilados para realidades descontroladas, para serem mortos – simples assim. Doom oferecia segurança e tranquilidade, era só obedecer a ele.

Obviamente isso não durou muito, e logo o multiverso foi refeito – com Reed Richards “roubando” o poder de Doom e recriando tudo. Aparentemente Doom não usou esse poder para reconstruir o multiverso (usou apenas para salvá-lo) porque achava que aquele era o modelo perfeito para a humanidade – ele deveria permanecer no controle como garantidor do sistema.

Jonathan Hickman retratou muito bem toda essa mentalidade de Doctor Doom desde sua fase como roteirista de Fantastic Four e, depois, nessas Secret Wars. A essência de Doctor Doom estava lá – seu egocentrismo garantia a estabilidade da humanidade.

Reed Richards não foi vingativo com Doom, e o devolveu à realidade 616 com o rosto curado. E a cura, além da experiência que teve como “Deus”, aparentemente mudou Doom para melhor. Ele agora quer ajudar a humanidade, inclusive como um novo Iron Man (agora que Tony Stark está fora de combate)… isso está sendo mostrado na série Infamous Iron Man (2016) e não sabemos no que vai dar.

Ou melhor, sabemos… Doom deve usar a oportunidade para, mais uma vez, ajudar a humanidade segundo suas regras… e sabemos como vai terminar. É inescapável… Assim como é inescapável que o “velho” Doctor Doom retorne à ativa… pois, afinal, ele é um dos vilões mais “amados” pelos leitores na Marvel.

Fontes:

Official Handbook of the Marvel Universe

Sanderson, Peter – Marvel Universe

Sanderson, Peter – Marvel Chronicle

Howe, Sean – Marvel Comics The Untold Story

Wikipedia

A fixação de Doctor Doom pela onipotência… por bons motivos? – parte 1

Há algum tempo fiz um Umbigo Coletivo sobre Doctor Doom (você pode conferir as edições do Umbigo Coletivo na fanpage e no grupo de discussão do blog no Facebook) e ressaltei, entre outras coisas, o que faz parte de sua caracterização como personagem e muitas vezes é ignorado por muitos fãs – Doctor Doom acredita fazer o bem… ou será que não?

Resolvi fazer este post mais aprofundado sobre o assunto, com algumas ponderações a respeito. É realmente interessante como você passa a encarar o personagem de outra forma quando essa ficha cai… Não, ele não passa a ser um herói e nem “bonzinho” com isso, mas dá para entender suas motivações – não passamos a apoiá-las, mas entendemos… hehe

Doctor Doom foi criado lá em Fantastic Four (1961) #5 (julho/1962), e era um personagem estereotipado. Stan Lee e Jack Kirby estavam criando o Universo Marvel que conhecemos hoje ali e Doom seria o primeiro “supervilão” de fato que o Fantastic Four enfrentaria – até então haviam enfrentado uma “civilização perdida” (liderada pelo Mole Man, que depois se tornaria um supervilão mais tradicional), uma invasão alienígena (os skrulls), um mágico (Miracle Man, que depois também se tornaria um vilão mais usual, com pouco brilho) e Namor the Sub-Mariner (reintroduzido no Universo Marvel). A ideia agora era criar um supervilão “tradicional” – que geralmente era um cientista maluco, no contexto da época.

E, basicamente, era isso que Doctor Doom era: um supercientista maluco. Mas havia uma inovação ali – ele era o soberano de seu próprio país, a Latveria… que originalmente era situada nos Alpes Bávaros e fortemente calcada em uma retratação germânica – resquícios da rivalidade nacional da Segunda Guerra Mundial? A Latveria só seria “transferida” para os Bálcãs em 1970, onde “permanece” até hoje… hehe

Essa condição especial de ser soberano de seu próprio país abriu mais espaço para clichês – Lee empregou sua verve shakespeareana meio canastrona e colocou Doctor Doom a fazer monólogos e solilóquios enquanto pensava sobre o futuro de sua nação, seus planos para o planeta ou seus confrontos com o Fantastic Four. Outra característica importante do personagem foi apimentada por essa condição: a arrogância. Doctor Doom é um dos personagens mais arrogantes do Universo Marvel, talvez só rivalizado por Doctor Octopus.

O nome do personagem foi pensado por Stan Lee pela mesma razão que vários outros que criou: a sonoridade. Ele achava “legal” a pronúncia do nome – embora já tivesse existido um “Doctor Droom” (hoje conhecido como Doctor Druid) e até um monstro chamado “Doctor Doom” nos anos anteriores ao Universo Marvel atual, criados pelo próprio Lee. Já o visual de Doctor Doom foi criado por Jack Kirby como uma estilização da “morte”, caso fosse uma armadura (perceba que a máscara lembra uma caveira). Kirby queria transmitir a mensagem de que Doom era a “personificação da morte”.

O próprio nome de batismo do personagem, Victor von Doom, era um clichê enorme – não existe um sobrenome “Doom”, ainda mais entre ciganos (o “von” era uma alusão à origem bávara/alemã da Latveria no início). Era um nome “fake” até a medula, mas Stan Lee não se importou com isso. Não à toa Warren Ellis mudou para “Victor van Damme” no Universo Ultimate, para ficar menos clichê.

O maior clichê, porém, ainda seria outro – a motivação inicial da ira de Doctor Doom contra o mundo: na faculdade, em um experimento em que tentava invadir o Inferno e resgatar a alma de sua mãe, uma feiticeira cigana, Doom errou os cálculos em sua arrogância (apesar do aviso do então colega de quarto Reed Richards). Isso causou uma explosão que desfigurou seu rosto – culpando Richards em vez de si mesmo, Doom procurou se vingar da humanidade (?!), procurando mais e mais poder, inclusive magia (já se apontava que Doom misturava ciência e magia aí), em um monastério tibetano secreto, onde fabricou sua máscara e criou sua identidade de vilão. Dali voltou para a Latveria e conquistou o país.

Típico de um cientista maluco, não? Compare com Lex Luthor, que, originalmente, passou a odiar Superman por causa de um experimento que o deixou careca, ainda nos tempos do Superboy… Kirby reforçaria essa ideia ao dizer que, em sua concepção, a cicatriz deixada pelo experimento frustrado de Doom era pequena e ridícula, mas, por ser perfeccionista ao extremo, Doom não suportava ter um pequeno defeito no rosto enquanto o resto da humanidade era, em sua maioria, “perfeita”. Isso nunca foi levado a ferro e fogo (o roteirista/desenhista John Byrne até mesmo aumentou o sofrimento de Doom, ao fazer com que a máscara tibetana tivesse sido “fundida” a seu rosto enquanto estava em brasa). O que sempre se disse é: Doom quer conquistar o mundo.

Conquistar para quê? A série solo de Doom na revista Astonishing Tales (1970) (sim, ele obteve uma série regular solo (por 10 edições) embutida na revista, que também apresentava Ka-Zar) e, depois, sua continuação, a revista Super-Villain Team-Up (1975), que estrelou principalmente a dupla Doctor Doom e Namor the Sub-Mariner, explicaram um pouco isso. Foi aí que se começou a mostrar que Doom era um “déspota esclarecido”… ou seja, era um tirano, mas que era amado por seu povo. Não era amado por seu povo por medo (para que não fossem fuzilados), mas era amado porque ele realmente trouxe estabilidade política e social ao país. Sua ditadura autoritária e até absolutista havia trazido paz e, por que não, prosperidade (em comparação com o passado) aos latverianos!

Pode-se dizer que havia uma crítica velada à URSS aí, no auge da Guerra Fria, em que pessoas aceitavam o autoritarismo em troca de estabilidade e garantias, mesmo que mínimas, e viviam felizes com isso. E sim, apesar de seu sentido de vingança contra a humanidade, havia ali a semente de que a visão dele poderia ser outra: a exemplo de um vilão de James Bond (007), Doom poderia querer estender a “bondade autoritária” dele ao resto do planeta, para o bem da humanidade que o aceitasse. Começava a germinar ali a noção de que Doom achava que somente ele teria condição de colocar a humanidade em um caminho de paz e prosperidade – guiado por ele, pelos padrões dele, obviamente.

Também foi nos anos 1970 que começamos a ver o que ele iria usar para conseguir isso – era a busca pela onipotência. Que é o veremos em mais detalhes na segunda parte do post.

Fontes:

Official Handbook of the Marvel Universe

Sanderson, Peter – Marvel Universe

Sanderson, Peter – Marvel Chronicle

Howe, Sean – Marvel Comics The Untold Story

Wikipedia

Fantastic Four de Jim Lee – o melhor de Heroes Reborn? – parte 2

Como falamos na primeira parte do post, Fantastic Four (1996) é tido como o melhor dos títulos de Heroes Reborn. Jim Lee corroteirizou as 12 edições com Brandon Choi, seu parceiro criativo já no principal título de Jim Lee na Image, Wild CATS. Lee também desenhou as primeiras 6 edições, com as 6 restantes sendo divididas por Brett Booth e Ron Lim.

Quando falamos de organização, estamos falando que Lee e Choi se preocuparam em ligar boa parte dos personagens entre si. Embora o roteiro seja algumas vezes raso (como era o padrão nessa época dos anos 1990), há uma rede de conexões entre os fatos, mostrando que houve planejamento. A própria “condição rasa” do roteiro poderia ser proposital – pois aparecem dicas aqui e ali que estamos vendo uma história “criada por uma criança”. E isso, na verdade, era o grande segredo de todas as revistas de Heroes Reborn: Franklin Richards era o “condutor” da origem recontada dos personagens.

Basicamente, tudo (na série Fantastic Four) era ligado a Galactus que, na versão Lee/Choi, assumiu uma caracterização semelhante à dos Celestials no universo original. Como assim? Eu explico: Galactus plantaria “sementes genéticas” em vários planetas eras atrás, para que esses planetas “amadurecessem” para que pudessem ser consumidos por ele. Ou seja, Galactus semearia vida ou, pelo menos, promoveria a evolução da vida com o objetivo de se alimentar dela. Seus arautos seriam responsáveis por verificar essas “plantações” e anunciar a chegada de Galactus para se alimentar.

Essas sementes genéticas seriam reforçadas pela energia cósmica (da criação do Universo), dominada por Galactus – essa energia cósmica daria os poderes aos arautos e também proporcionaria a abertura de buracos de minhoca para o transporte interestelar dos arautos e Galactus. Só isso? Não.

Os Inhumans teriam sua Terrigen Mist derivada dessas sementes e da energia cósmica. Por isso, adoravam Galactus e os arautos como deuses, assim como também Mole Man. Por outro lado, o próprio Fantastic Four ganhou seus poderes por exposição à energia cósmica que Silver Surfer trouxe ao se aproximar da Terra – aliás, a nave experimental em que Reed Richards trabalhava foi exposta a essa energia cósmica ao tentar chegar à “anomalia espacial” (o buraco de minhoca) antes que a SHIELD chegasse lá e a destruísse. A explosão da anomalia, junto com a chegada de Silver Surfer e mais a nave não protegida que continha o futuro Fantastic Four (nave batizada aqui como “Excelsior”) resultaram em seus poderes.

Essa “SHIELD”, porém, não era a verdadeira – era comandada por um “Wyatt Wingfoot” impostor (lembrando que, no Universo Marvel original, Wingfoot era amigo do Human Torch (Johnny Storm)). O impostor era um skrull – mais precisamente, Kl’rt (sim, o Super-Skrull).

Silver Surfer caiu na Terra em Wakanda, trazendo Black Panther à história. Isso atraiu o “Wingfoot” impostor e seu “chefe”, Doctor Doom. Doom queria absorver a energia cósmica de Silver Surfer para si – a mesma coisa que Kl’rt (que conseguiu, e se tornou o Super-Skrull).

Como se pode ver, tudo estava ligado e conectado… e a edição #12 é parte de um crossover dos quatro títulos de Heroes Reborn em que os heróis da Terra se juntam para enfrentar Galactus.

Lee e Choi também modernizaram os membros do Fantastic Four: Sue Storm e Johnny Storm se tornaram investidores da pesquisa de Reed Richards (que pretendia desenvolver um voo tripulado para Marte), representando a Storm Foundation; Johnny ainda era dono de um cassino em Las Vegas; já Ben Grimm era agora um veterano da Primeira Guerra do Golfo (1991) que tinha problemas em sua ficha corrida – amigo antigo de Reed, sonhava ser astronauta, mas só conseguia ser piloto de provas. A “técnica” de modernização foi a mesma que seria usada na concepção do Ultiverse alguns depois (se bem que, no Ultiverse, os membros do Fantastic Four foram rejuvenescidos).

Uma ideia que seria reaproveitada no Ultiverse foi a existência de um grupo de cientistas com origens ligadas: Reed Richards, Victor von Doom, Bruce Banner, Tony Stark, Hank Pym e Rebel o’Reilly (este criado especialmente em Heroes Reborn). Esse grupo, chamado de Atomic Knights of the Round Table, estava no cerne das tramas do universo de Heroes Reborn. Inclusive, a origem de Doctor Doom era ligada a esse grupo, em que ele quis testar sozinho um dos projetos do grupo: uma exoarmadura que, ao explodir, causou a desfiguração de Doom e se tornou sua armadura posterior.

Por fim, como já dissemos, começaram a surgir pistas de que os heróis “exilados” retornariam ao universo original, principalmente quando o Fantastic Four explorou a Negative Zone (aqui transformada em um universo de “passagem” (no caso, dos buracos de minhoca). Encontrando-se com o Watcher por lá, os membros do Fantastic Four viram cenas de seu “passado” (no universo original, onde eram mais velhos) e, a partir daí, Sue Richards (Invisible Woman) começou a ter visões de seu filho, Franklin, inclusive brincando com a bola azul (que era o próprio universo de Heroes Reborn). O próprio Doctor Doom “original” também apareceu em Heroes Reborn, dando informações à sua contraparte.

O sinal definitivo de que Heroes Reborn iria acabar foi que Sue, que seria estéril em Heroes Reborn, se viu grávida. Como? Isso não chegou a ser desenvolvido, mas mostrava nitidamente que o projeto chegava a seu fim.

Quando os heróis retornaram ao Universo Marvel e suas séries foram relançadas com grandes equipes criativas, as franquias estavam recuperadas. Se o efeito de renovação de interesse de Heroes Reborn foi passageiro, foi certeiro em sua “rejeição”: afinal, as franquias tiveram um ímpeto renovado quando as “versões originais” retornaram, como os fãs queriam.

Quanto a Fantastic Four de Jim Lee, é a única série de Heroes Reborn que foi reimpressa em encadernados pela Marvel por um bom período. Só isso já indica sua qualidade maior com relação às outras séries do selo. E, claro, o traço de Jim Lee nas primeiras seis edições também era um grande diferencial.

Fontes

Revistas referidas

HOWE, SEAN – Marvel Comics The Untold Story

SANDERSON, PETER – Marvel Chronicle

Wikipedia

Fantastic Four de Jim Lee – o melhor de Heroes Reborn? – parte 1

Heroes Reborn foi o primeiro experimento de terceirização da Marvel (o selo Marvel Knights, surgindo alguns anos depois, foi a mais bem sucedida dessas iniciativas) – por ele, a Marvel terceirizou a produção de histórias de Fantastic Four, Iron Man, Captain America e Avengers para os estúdios de Jim Lee (dois primeiros) e Rob Liefeld (dois últimos). Os dois eram membros do “grupo rebelde” que abandonou a Marvel em 1992 para formar a editora Image e começavam a retornar à Marvel com essa iniciativa.

A história dessa terceirização (que foi lançada oficialmente em novembro/1996) tem a ver com o momento econômico da Marvel (que protocolizou seu famoso pedido de concordata em dezembro/1996) e também com o péssimo perfil de vendas dos títulos envolvidos. É verdade que o projeto já estava em andamento meses antes de seu lançamento, mas já havia uma perspectiva de necessidade de medidas corretivas no plano empresarial da Marvel.

Ao contrário do que muitos dizem, a Marvel não pediu concordata por causa dos quadrinhos (que continuaram sempre liderando o mercado), mas sim porque quis se tornar uma “corporação”, adquirindo várias empresas de diferentes ramos de entretenimento. O tamanho que a Marvel atingiu era maior do que suas ações em bolsa podiam suportar.

Some-se a isso que 1996 também foi o ano do início da bolha especulativa do mercado de comics americano, que atingiu seu auge em 1997. Essa bolha especulativa se deu pela inundação de títulos e capas alternativas no mercado – comprava-se revistas para “investir” e, depois, revender. Isso estourou quando se percebeu que não havia quem comprasse (os especuladores eram mais ativos que os leitores e fãs).

Portanto, não só a Marvel sentiu um baque em suas vendas, mas as outras editoras também. No caso da Marvel, títulos regulares sem tradição ou público potencial foram cortados sumariamente, mas alguns títulos tradicionais da editora estavam vendendo mal e precisavam de atenção. Apesar de Captain America ter começado a reagir, com a equipe criativa de Mark Waid/Ron Garney (já fizemos um post do primeiro arco dessa fase aqui no blog), isso já não era suficiente para os executivos da Marvel.

Usando o evento Onslaught (1996) como pretexto, a Marvel “matou” os heróis que participariam da iniciativa Heroes Reborn, iniciando um período interessante em que o Universo Marvel lidava com a ausência trágica desses heróis. Por outro lado, esses heróis foram “rebootados” em outro universo (chamado Heroes Reborn), com histórias modernizadas e produzidas pelo pessoal da Image. Hoje sabemos que eles foram salvos pelos poderes inimagináveis de Franklin Richards (filho de Reed e Sue Richards, do Fantastic Four) e tiveram sua “história” reescrita pelo garoto.

O projeto deu certo, principalmente no lado da Wildstorm (estúdio de Jim Lee). As revistas capitaneadas por Rob Liefeld não tiveram tanto sucesso e ainda houve a quebra do contrato – Jim Lee assumiria as séries que estavam com Liefeld a partir da edição #7. Heroes Reborn durou 12 edições (novembro/1996-outubro/1997), e ainda houve uma décima-terceira edição das 4 séries, que foi um crossover com os personagens da própria Wildstorm (hoje na DC).

A Marvel ficou satisfeita com o resultado final, e já havia até um segundo ano planejado. Jim Lee já disse que a Marvel ofereceu a continuação indefinida do projeto, com a condição de que Lee desenhasse sempre uma série – e isso não teria sido aceito por Lee. Foi por isso que acabou?

Nem tanto, pois, após um grande sucesso movido pela curiosidade nas primeiras edições, as séries começaram a perder o interesse dos fãs. Havia também a grande reação dos fãs da Marvel, apontando que reboots não eram uma tradição da Marvel. Nesse período de internet inicial, os fóruns de discussão já cornetavam contra a iniciativa – e, provavelmente, essa foi uma das razões por que o Ultiverse nunca substituiu o Universo Marvel original, apesar de seu grande sucesso por um longo período. E isso começou a ficar nítido quando a Marvel começou a indicar claramente nas histórias que os personagens eram os mesmos “mortos” e que poderiam voltar ao universo original.

Mesmo assim, há um consenso geral: o melhor dos títulos (em termo de estrutura de roteiro, enredo e arte) era Fantastic Four. Fantastic Four também era o título “principal”, onde as pistas da resolução do mistério apareciam. Jim Lee desenhou apenas as primeiras 6 edições, mas foi o corroteirista de todas as 12 edições, mostrando organização no que estava produzindo (diferentemente do outro terceirizado…).

Vamos relembrar essa série na segunda parte do post.

Fontes

Revistas referidas

HOWE, SEAN – Marvel Comics The Untold Story

SANDERSON, PETER – Marvel Chronicle

Wikipedia

[Listas] Principais inimigos do Fantastic Four – 004

Vamos conferir os principais inimigos de Fantastic Four. Vamos nos concentrar naqueles que já apareceram no mínimo 3 vezes ou tiveram alguma relevância maior.

013 – DIABLO (DE ABLO) (primeiro confronto: Fantastic Four (1961) #30 (setembro/1964))

Esteban de Ablo é um alquimista de Saragoça do século 9 que vendeu sua alma ao demônio Mephisto em troca de imortalidade. De tendências malignas, Diablo (apelido que ganhou de seus adversários e adotou como seu codinome) acabou se estabelecendo na Transilvânia, onde fez vários acordos com vampiros. O povo da região se revoltou contra Diablo e o enterrou vivo em uma cripta debaixo de seu castelo, de onde não conseguiu escapar. Diablo ficou lá por quase mil anos, esperando a melhor oportunidade de sair – isso aconteceu quando o Fantastic Four apareceu nesse castelo e Diablo convenceu mentalmente Thing a libertá-lo. A partir daí, Diablo passou a enfrentar várias vezes não só o Fantastic Four, mas também vários outros heróis e equipes.

Um dos grandes feitos de Diablo foi dar vida ao androide Dragon Man, construído pelo cientista Gregson Gilbert (que não conseguia acioná-lo). Por causa disso, Dragon Man (com seu intelecto limitado) atuou algumas vezes com Diablo, e o alquimista chegou inclusive a criar um “exército” de Dragon Men. Um alquimista poderoso, Diablo é capaz de criar homúnculos e outras criaturas artificiais, muitas vezes encarnações dos quatro elementos da natureza (base da alquimia), e também possui um grande arsenal de armas e poções alquímicas. Diablo também se atualizou com a tecnologia atual e consegue transformar suas feições em outras e mesmo transformar seu corpo em uma gosma. A maior parte dessas proezas alquímicas tem prazo de validade, embora a vida artificial de Dragon Man tenha sido permanente (muito provavelmente por interferência da tecnologia de Gibson).

014 – DRAGON MAN (primeiro confronto: Fantastic Four (1961) #35 (fevereiro/1965))

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Dragon Man é um androide construído pelo professor Gregson Gilbert. Porém, este não conseguia ativá-lo como uma forma de vida artificial. Isso só foi possível quando o vilão alquimista Diablo o animou com seus processos alquímicos e tentou controlá-lo. Capaz de seguir ordens, mas com intelecto limitado, Dragon Man acabou se libertando desse controle e se perdeu pelo Universo Marvel, aparecendo de tempos em tempos ora como aliado, ora como adversário controlado por outros vilões ou, simplesmente, reagindo à rejeição e aos ataques que recebia. Nessa condição, enfrentou o Fantastic Four e outros heróis e equipes algumas vezes. Mais recentemente, recolhido pelo Fantastic Four, teve seu intelecto “consertado” pela garota prodígio Valeria Richards, que fez com que Dragon Man se tornasse inteligente. Atua hoje na Future Foundation, protegendo os alunos de Reed Richards (Mister Fantastic). Seus poderes são os esperados para um dragão: superforça, resistência, voo e capacidade de gerar fogo pela boca.

015 – WIZARD (primeiro confronto: Fantastic Four (1961) #36 (março/1965))

Bentley Whitman demonstrava desde criança ser um supergênio científico, quase como sua inteligência fosse um superpoder. Isso fez com que se tornasse um prodígio e, ainda jovem, começou a vender patentes de suas invenções, que de tão inimagináveis eram chamadas de “mágica”- daí ele receber o apelido de Wizard. Porém, a superinteligência, a fama e o dinheiro não lhe fizeram bem. Iniciando um processo esquizofrênico, Whitman resolveu investir em um novo desafio: se tornar um supercriminoso.

Inicialmente inimigo do Human Torch (Johnny Storm), Wizard logo formou seu Frightful Four e passou a enfrentar tanto o Fantastic Four quanto Spider-Man (o qual também enfrentou várias vezes sozinho ou em parceria com o Trapster). Suas armas características são discos antigravidade e um capacete de controle mental, mas ele pode desenvolver várias tecnologias, embora sua esquizofrenia atrapalhe muitas vezes. Um de seus clones, em idade pré-adolescente, se tornou aluno da Future Foundation de Mister Fantastic, sendo conhecido como Bentley-23 e sendo constantemente assediado por seu “pai” (o Wizard) para aprontar.

016 – FRIGHTFUL FOUR (primeiro confronto: Fantastic Four (1961) #36 (março/1965))

O Frightful Four foi formado originalmente para derrotar o Fantastic Four, consistindo em Wizard e Trapster, inimigos recorrentes de Human Torch (Storm); Sandman, inimigo de Spider-Man; e Medusa, dos Inhumans, que estava perdida e sofrendo de amnésia no mundo exterior. O grupo mudou de formação várias vezes com o passar dos anos, mas sempre com Wizard como líder. Spider-Man também entrou para o rol de inimigos do grupo, que sempre consegue chegar perto de seu objetivo, mas falha em algum detalhe na última hora.

Fontes:

Official Handbook of Marvel Universe

Revistas referenciadas

Marvel Two-in-One (1974) #50 e 100 – Thing tomando olé das viagens temporais

Marvel Two-in-One (1974) era uma revista que mostrava team-ups do Thing (team-ups são histórias de um personagem fixo mais convidados em cada edição). Seguindo o sucesso de Marvel Team-Up (1972), com team-ups de Spider-Man, Marvel Two-in-One apresentava outro personagem popular da Marvel na época, mas sem revista solo própria – o Thing só aparecia na revista Fantastic Four (1961), embora já houvesse testado público com dois team-ups na revista Marvel Feature (1971).

Marvel Two-in-One (1974) durou 100 edições, de janeiro/1974 a junho/1983 e teve vários anuais – tudo graças ao carisma de Thing. Aliás, a série só acabou porque foi substituída pela primeira série regular de Thing (sem ser team-up), que durou mais 36 edições. Mas não se pode dizer que apenas o Thing segurava a revista – várias histórias foram muito elogiadas e são lembradas até hoje, principalmente com a fase inicial escrita por Steve Gerber e a ótima fase escrita por Mark Gruenwald, que teve arcos desenhados por John Byrne, Jerry Bingham e George Pérez.

Mas existe outra razão para lembrarmos de Marvel Two-in-One (1974) com saudade: foi a estreia de John Byrne como roteirista, em um fill-in (história avulsa inserida em uma série) e essa história (edição #50, abril/1979) é tida como uma das melhores histórias do Thing, junto com sua continuação, também escrita por Byrne (edição #100, junho/1983). Byrne já havia atuado como roteirista antes, em backups na Charlton, sua editora de origem, mas a primeira história “importante” veio na Marvel, e ele já chegou comprovando sua qualidade.

Apesar das tiradas bem-humoradas características, o Thing (Ben Grimm) é um personagem trágico, devido ao trauma de ter sido transformado em um monstro rochoso – esse foi o preço de seus poderes. Esse aspecto dramático do “mythos” do personagem está presente desde sua origem, assim como também o compromisso sempre frustrado de Reed Richards, o Mister Fantastic, em curá-lo. E é nisso que Byrne investiu em sua estreia.

Na história da edição #50, já temos uma amostra inicial da criatividade de Byrne (que também foi o desenhista): Richards realiza testes em Grimm e conclui que a genética de Thing está se acostumando cada vez mais com a transformação. Isso explicaria por que o Thing foi mudando de aparência com o tempo e também por que Richards não consegue encontrar a cura: toda vez que se pensa ter chegado lá, a cura seria referente a “configurações” anteriores do Thing!

Bom, Ben Grimm não é bobo e teve uma ideia interessante: se a cura de hoje é baseada em configurações do passado, por que não voltar no tempo e administrar a cura logo após a transformação inicial? Vai dar certo, não? Teoricamente, sim. E aí tivemos um team-up inusitado: Thing do presente e Thing do passado!

Usando a máquina do tempo de Dr. Doom, Thing volta ao passado, luta contra si mesmo com a aparência original e, no final, consegue curá-lo… só que… o Thing “do presente” não muda, não volta a ser humano. Por quê?

Reed Richards mata a charada na volta do Thing ao presente: um jornal “do passado” aponta que Nova York é chamada de… Nova Amsterdã! Ou seja, Thing voltou a um passado alternativo!

Não precisaria nem ser isso, pois Richards explica que alterar o passado cria realidades alternativas, não “corrigindo” o presente, diferentemente do paradoxo de Einstein da visão relativística da viagem no tempo. Ou seja, Ben Grimm continuaria sendo Thing no presente de qualquer forma – de novo a tragédia na vida de Ben Grimm.

Essa interpretação de viagens no tempo não deveria ter sido usada, porém, em outra história de viagem temporal famosa de Byrne: Days of Future Past, em X-Men, em parceria com Chris Claremont. A ideia nesse caso era mexer no presente para alterar o futuro: esse era o plano de Byrne, que colaborava no roteiro, mas Claremont acabou “traindo” nos diálogos finais, mostrando que o futuro se tornara alternativo.

Existem diferentes teorias e interpretações da mecânica das viagens no tempo, como se pode ver inclusive na Marvel atual, por isso não dá para condenar Byrne, mas é interessante ver ele reclamar de Claremont por ser coerente com o que ele mesmo defendeu alguns anos antes…

De qualquer forma, Byrne teria outros sucessos como roteirista em Fantastic Four (1961) e Alpha Flight (1983) e isso o levaria a ser escolhido como roteirista da nova série regular do Thing (1983). Mas antes, ele faria a última edição de Marvel Two-in-One (1974): a edição #100.

Byrne agora seria só o roteirista, já configurando a equipe criativa da revista Thing (1983), com o veterano Ron Wilson como desenhista (aliás, Wilson foi o desenhista mais longevo de Marvel Two-in-One (1974)). E resolveu revisitar sua primeira história na revista (aquela da edição #50). Agora não haveria clima de tragédia, pois Thing já havia aceito o desfecho da história anterior, mas ele queria ver o que havia acontecido com o Ben Grimm curado no passado alternativo.

E foi isso que aconteceu: Thing voltou àquela realidade, mas alguns anos no futuro e o que viu? Nova Amsterdã (“Nova York”) destruída e Ben Grimm, ainda humano, liderando uma resistência contra o Red Skull! Como isso aconteceu?

Sem o Thing, Spider-Man assumiu seu lugar no Fantastic Four e, quando a entidade cósmica Galactus chegou para devorar a Terra, chacinou a equipe. Galactus consumiu a energia da Terra, e os sobreviventes tiveram de se virar em um ambiente inóspito. A passagem de Galactus também despertou o Red Skull, que estava em animação suspensa desde a Segunda Guerra Mundial, e este conquistou o que restava da civilização.

Com remorso por ter sido “culpado” por essa guinada na história, Thing ajudou Ben Grimm a derrubar a tirania de Red Skull, mas teve sua culpa aliviada antes de voltar ao presente: revelou-se que Silver Surfer não existia nessa realidade! Ou seja, sem o arauto de Galactus, não houve “aviso” de sua chegada e nem mesmo a revolta e traição do arauto em favor da humanidade. Logo, a ausência do Thing pode não ter sido o principal culpado por esse desfecho.

Byrne não voltaria mais a esse tema (e nem outros roteiristas), mas construiu uma boa história e uma boa continuação, que marcaram a cronologia do Thing. É verdade que o abandono do tema levou ao desconhecimento pelas novas gerações de leitores, mas qualquer lista de “melhores histórias” de Thing ou Byrne tem essas histórias incluídas.

Fontes:

Revistas referidas