Marvel Two-in-One (1974) #50 e 100 – Thing tomando olé das viagens temporais

Marvel Two-in-One (1974) era uma revista que mostrava team-ups do Thing (team-ups são histórias de um personagem fixo mais convidados em cada edição). Seguindo o sucesso de Marvel Team-Up (1972), com team-ups de Spider-Man, Marvel Two-in-One apresentava outro personagem popular da Marvel na época, mas sem revista solo própria – o Thing só aparecia na revista Fantastic Four (1961), embora já houvesse testado público com dois team-ups na revista Marvel Feature (1971).

Marvel Two-in-One (1974) durou 100 edições, de janeiro/1974 a junho/1983 e teve vários anuais – tudo graças ao carisma de Thing. Aliás, a série só acabou porque foi substituída pela primeira série regular de Thing (sem ser team-up), que durou mais 36 edições. Mas não se pode dizer que apenas o Thing segurava a revista – várias histórias foram muito elogiadas e são lembradas até hoje, principalmente com a fase inicial escrita por Steve Gerber e a ótima fase escrita por Mark Gruenwald, que teve arcos desenhados por John Byrne, Jerry Bingham e George Pérez.

Mas existe outra razão para lembrarmos de Marvel Two-in-One (1974) com saudade: foi a estreia de John Byrne como roteirista, em um fill-in (história avulsa inserida em uma série) e essa história (edição #50, abril/1979) é tida como uma das melhores histórias do Thing, junto com sua continuação, também escrita por Byrne (edição #100, junho/1983). Byrne já havia atuado como roteirista antes, em backups na Charlton, sua editora de origem, mas a primeira história “importante” veio na Marvel, e ele já chegou comprovando sua qualidade.

Apesar das tiradas bem-humoradas características, o Thing (Ben Grimm) é um personagem trágico, devido ao trauma de ter sido transformado em um monstro rochoso – esse foi o preço de seus poderes. Esse aspecto dramático do “mythos” do personagem está presente desde sua origem, assim como também o compromisso sempre frustrado de Reed Richards, o Mister Fantastic, em curá-lo. E é nisso que Byrne investiu em sua estreia.

Na história da edição #50, já temos uma amostra inicial da criatividade de Byrne (que também foi o desenhista): Richards realiza testes em Grimm e conclui que a genética de Thing está se acostumando cada vez mais com a transformação. Isso explicaria por que o Thing foi mudando de aparência com o tempo e também por que Richards não consegue encontrar a cura: toda vez que se pensa ter chegado lá, a cura seria referente a “configurações” anteriores do Thing!

Bom, Ben Grimm não é bobo e teve uma ideia interessante: se a cura de hoje é baseada em configurações do passado, por que não voltar no tempo e administrar a cura logo após a transformação inicial? Vai dar certo, não? Teoricamente, sim. E aí tivemos um team-up inusitado: Thing do presente e Thing do passado!

Usando a máquina do tempo de Dr. Doom, Thing volta ao passado, luta contra si mesmo com a aparência original e, no final, consegue curá-lo… só que… o Thing “do presente” não muda, não volta a ser humano. Por quê?

Reed Richards mata a charada na volta do Thing ao presente: um jornal “do passado” aponta que Nova York é chamada de… Nova Amsterdã! Ou seja, Thing voltou a um passado alternativo!

Não precisaria nem ser isso, pois Richards explica que alterar o passado cria realidades alternativas, não “corrigindo” o presente, diferentemente do paradoxo de Einstein da visão relativística da viagem no tempo. Ou seja, Ben Grimm continuaria sendo Thing no presente de qualquer forma – de novo a tragédia na vida de Ben Grimm.

Essa interpretação de viagens no tempo não deveria ter sido usada, porém, em outra história de viagem temporal famosa de Byrne: Days of Future Past, em X-Men, em parceria com Chris Claremont. A ideia nesse caso era mexer no presente para alterar o futuro: esse era o plano de Byrne, que colaborava no roteiro, mas Claremont acabou “traindo” nos diálogos finais, mostrando que o futuro se tornara alternativo.

Existem diferentes teorias e interpretações da mecânica das viagens no tempo, como se pode ver inclusive na Marvel atual, por isso não dá para condenar Byrne, mas é interessante ver ele reclamar de Claremont por ser coerente com o que ele mesmo defendeu alguns anos antes…

De qualquer forma, Byrne teria outros sucessos como roteirista em Fantastic Four (1961) e Alpha Flight (1983) e isso o levaria a ser escolhido como roteirista da nova série regular do Thing (1983). Mas antes, ele faria a última edição de Marvel Two-in-One (1974): a edição #100.

Byrne agora seria só o roteirista, já configurando a equipe criativa da revista Thing (1983), com o veterano Ron Wilson como desenhista (aliás, Wilson foi o desenhista mais longevo de Marvel Two-in-One (1974)). E resolveu revisitar sua primeira história na revista (aquela da edição #50). Agora não haveria clima de tragédia, pois Thing já havia aceito o desfecho da história anterior, mas ele queria ver o que havia acontecido com o Ben Grimm curado no passado alternativo.

E foi isso que aconteceu: Thing voltou àquela realidade, mas alguns anos no futuro e o que viu? Nova Amsterdã (“Nova York”) destruída e Ben Grimm, ainda humano, liderando uma resistência contra o Red Skull! Como isso aconteceu?

Sem o Thing, Spider-Man assumiu seu lugar no Fantastic Four e, quando a entidade cósmica Galactus chegou para devorar a Terra, chacinou a equipe. Galactus consumiu a energia da Terra, e os sobreviventes tiveram de se virar em um ambiente inóspito. A passagem de Galactus também despertou o Red Skull, que estava em animação suspensa desde a Segunda Guerra Mundial, e este conquistou o que restava da civilização.

Com remorso por ter sido “culpado” por essa guinada na história, Thing ajudou Ben Grimm a derrubar a tirania de Red Skull, mas teve sua culpa aliviada antes de voltar ao presente: revelou-se que Silver Surfer não existia nessa realidade! Ou seja, sem o arauto de Galactus, não houve “aviso” de sua chegada e nem mesmo a revolta e traição do arauto em favor da humanidade. Logo, a ausência do Thing pode não ter sido o principal culpado por esse desfecho.

Byrne não voltaria mais a esse tema (e nem outros roteiristas), mas construiu uma boa história e uma boa continuação, que marcaram a cronologia do Thing. É verdade que o abandono do tema levou ao desconhecimento pelas novas gerações de leitores, mas qualquer lista de “melhores histórias” de Thing ou Byrne tem essas histórias incluídas.

Fontes:

Revistas referidas