[A Bit o’ Navel #052] E o que todo mundo temia aconteceu… adeus, Stan Lee!

Stan Lee nos deixou em 12/11/2018, aos 95 anos de idade. Completaria 96 anos em 28/12, mas nos deixou um pouco mais órfãos dos criadores do Universo Marvel de que tanto gostamos e curtimos. Já perdemos tantos grandes nomes, mas nenhum com a envergadura máxima de Stan Lee – afinal, ele personificou a Marvel até quase sua morte, com suas tiradas espertas nas redes sociais e suas pontas características e divertidas nos filmes e séries live-action da Marvel.

O sucesso da Marvel se deveu em grande parte a Stan Lee, pois além de ser um criador e roteirista ele era, antes de tudo, um showman, um hábil marqueteiro que vendeu como ninguém seus personagens e sua nova maneira de fazer quadrinhos. Lee viabilizou a própria mídia dos quadrinhos americanos (os comics) ao fidelizar seu público cativo (ao conversar diretamente com os leitores nas seções de cartas e tratá-los como se fizessem parte de um clube exclusivo) e ao expandir seu público-alvo, conquistando os universitários e apresentando os personagens à grande mídia, com suas hipérboles e frases de efeito, ultrapassando os limites infanto-juvenis que até então sabotavam a relevância dos quadrinhos nos EUA. Não foi apenas a qualidade das histórias que eram apresentadas que fez com que a Marvel se tornasse a maior editora de comics dos EUA, superando a DC, no início dos anos 1970, mas também o trabalho incansável de marketing e automarketing que Lee fazia. O personagem que criou no meio da grande mídia se tornou onipresente em rádio, TV, jornais e revistas – o showman promovia não só a si mesmo, como a seus personagens e a editora, onde entrou aos 16 anos, em 1939. Sim, exatamente quando a revista Marvel Comics #1 saiu – ele era a Marvel.

Nessa época, a editora ainda se chamava Timely, e pertencia ao marido de sua prima, Martin Goodman. Lee, ainda com seu nome real (Stanley Lieber) entrou como assistente e fazia de tudo – bem, quase tudo – ele ainda não escrevia. Porém, essa chance veio em outubro/1941, na revista All-Winners Comics #2, em que ele escreveu uma história em prosa (com arte de Jack Kirby). Aliás, nesse mesmo ano, Kirby e o editor Joe Simon (criadores de Captain America) saíram da editora (por causa da Segunda Guerra Mundial), Lee assumiu o cargo de editor interino. O próprio Lee seria convocado em 1942 e retornaria ao cargo em 1945.

Como editor, Lee começou a escrever histórias de todos os gêneros e estilos, já que a Timely publicava vários gêneros, como era praxe na época em todas as editoras. E isso foi lhe dando experiência e versatilidade, principalmente porque Martin Goodman publicava revistas de acordo com a moda da época – ou seja, Lee e os outros roteiristas tinham de estar sempre prontos para escrever qualquer coisa.

Dentro dessas “modas”, Goodman captou a nova onda que vinha com o sucesso da National (nome da DC na época) com o retorno do gênero dos super-heróis. Goodman, então, encarregou Lee e Kirby de lançarem uma nova linha de revistas de super-heróis. E aí se fez história – surgia o Universo Marvel que conhecemos.

Já falamos muitas vezes sobre a revolução criada por Lee, Kirby e Steve Ditko (também falecido há pouco), criando novos conceitos de super-heróis e revitalizando a continuidade nas histórias – se um herói quebrava o braço em uma edição, ele estava de tipoia na edição seguinte. Isso não era comum na época, quando as revistas apresentavam histórias “únicas”, sem grande preocupação com continuidade. Não bastasse isso, outra revolução foi a “humanidade” dos heróis – não se tratavam de deuses perfeitos (ou quase) como nas outras editoras. Os heróis da Marvel tinham limitações ou defeitos físicos, tinham problemas de relacionamento ou dinheiro, ficavam doentes, tinham discussões morais e motivacionais até mesmo com consigo mesmos. Eram heróis realmente humanos.

Stan Lee ainda faria outra revolução, que lhe causaria muitos problemas depois – ele criou o “método Marvel de roteiro”, no qual ele formulava algumas frases com ideias de uma história (frequentemente subindo na mesa ou fazendo alguma representação física), apresentava ao desenhista, para que este desenvolvesse a história em todas as suas páginas, e depois Lee retornava para pedir alterações e fazer os diálogos. Isso possibilitou que Lee se tornasse multitarefa – “escrevia” quase todas as revistas, editava tudo e ainda fazia suas campanhas de marketing pela mídia. Seu temperamento frenético e boa praça i transformava em um dínamo próprio, a alma da editora.

Como falamos, isso gerou atrito com Jack Kirby e Steve Ditko, principalmente, que se queixavam de “fazer todo o trabalho” e Lee levar os louros pelo que não fez. Porém, se Lee deu a ideia e depois fez correções e fez os diálogos, ele não criou conjuntamente? Eu acredito que sim, mas Kirby entrou em uma longa disputa jurídica e Ditko rompeu relações. De qualquer forma, é inegável que esse trio criou a maior parte dos grandes personagens dos anos 1960, a base para todo o patrimônio criativo da editora.

Stan Lee se tornou “publisher” da Marvel em 1972, ocupando o cargo de Martin Goodman (que saiu para fundar outra editora, a Atlas-Seaboard, que não foi adiante)… continuou com seu marketing agressivo em toda a mídia (além de continuar escrevendo as tiras de jornal de Spider-Man – o que fez até os anos 2000!) até se mudar, no começo dos anos 1980, para a Califórnia, com a intenção de expandir a Marvel por TV e cinema – e aí ficou até quase o fim da vida, pois aparecia frequentemente como coprodutor dos filmes e séries da Marvel.

Mesmo “aposentado”, Lee foi ampliando cada vez mais sua própria iconização na mídia a partir dos anos 1990, aparecendo em vários filmes e séries (não só da Marvel), aparecendo em talk shows, apresentando programas de TV, criando novos conceitos em outras editoras e simplesmente sendo uma celebridade. A memória de Stan Lee nunca foi um prodígio, nem em sua juventude – por isso, a maior parte das histórias do passado dele é contada pelos outros, por profissionais de várias áreas que conviveram com ele – e uma boa parte deles diz coisas deste tipo: “Stan Lee era ótimo para levantar o moral, aprendia-se a viver com ele.”

Polêmico, extrovertido, showman, um homem do show-business por excelência. Sempre jovial, Lee se queixava de problemas de saúde óbvios (devido à idade avançada) nos últimos anos. Não conseguia mais ler desde 2016, foi envolvido em escândalos até mesmo do #metoo (não comprovados), além de uma relação problemática com a filha. A esposa Joan faleceu há alguns anos, baqueando Lee, que se aposentou das aparições públicas (era figura habitual em convenções de quadrinhos), apresentando algumas internações por pneumonia. Até que nos deixou nesta segunda-feira, após ser levado às pressas para o hospital pela manhã.

Stan Lee não era apenas uma lenda viva, mas um legado vivo, pois sua longevidade permitiu que ele visse todos os seus sonhos realizados (até mesmo suas criações se tornarem os maiores blockbusters do cinema – e ele fazendo pontas). Esse legado nos deixou. É verdade que sua influência nos quadrinhos era praticamente nula nos últimos anos, mas ele ainda permanecia com o título máximo de “presidente emérito”. E não foi por menos.

Todas as suas criações estão tristes com seu falecimento. E nós, os “marvel zombies”, os marvetes, também somos suas criações, por tabela. Adeus e obrigado pelo que nos deixou. Excelsior… nuff’ said!

Quando só resta o Juízo Final como desafio: “Galactus Trilogy”!

Quem conhece a história da concepção do Universo Marvel e do desenvolvimento das “tradições” da Marvel, já sabe esta história de trás para frente: Fantastic Four foi o pontapé inicial em novembro/1961, e ali não só se instituiu uma forma diferente de equipe (um “núcleo familiar”, misturado com exploradores do desconhecido), mas também formas inovadoras de caracterização de super-heróis (mais humanos e falhos) e de continuidade (havia não só uma sequência cronológica entre as histórias, mas também um “clima” de simultaneidade – não só personagens de uma série apareciam em outras, como também fatos ocorridos em uma revista podiam ter consequências ou relação com histórias de outras revistas). Junte-se a isso a explosão criativa de Stan Lee, Jack Kirby e Steve Ditko, principalmente. Essa “revolução” não planejada foi potencializada pelo hábil e exagerado marketing de Stan Lee, que popularizou os personagens para novos públicos – o que se tornou o padrão do mercado.

Mas, mesmo com tanta criatividade, já falamos aqui outras vezes que as primeiras histórias, inclusive de Fantastic Four, tinham muitos clichês e estereótipos do zeitgeist da época. Embora não criassem rejeição (na época), esses elementos foram sofrendo uma evolução, principalmente nas histórias de Fantastic Four, que arranhavam temas científicos mais avançados, pelo menos pretensamente. Isso refletia não só o famoso “Método Marvel de Crias Histórias”, em que havia uma troca criativa entre roteirista e desenhista (que participava mais ativamente do enredo), mas também o amadurecimento profissional de Jack Kirby, de onde saíam esses conceitos mais ousados.

Assim, em um período em que arcos de histórias não eram uma prática comum, a rotatividade de temas a serem explorados nas histórias era enorme (ainda mais refletindo a conformação original e seminal do Universo Marvel). E, com isso, começavam a escassear ideias “novas” – no caso de Fantastic Four, já parecia não haver mais inimigos que não fossem derrotáveis – o que criar então? Foi aí que Stan Lee teve a ideia de fazer o Fantastic Four enfrentar uma ameaça de proporções bíblicas – o dia do Juízo Final!

Obviamente, em uma sociedade americana então bem mais conservadora e religiosa (em 1966), não havia lógica (e nem interesse) em transformar Deus em um vilão para ser derrotado pelo Fantastic Four. Assim, “Deus” passou a ser representado por uma criatura praticamente onipotente que criaria uma situação de fim do mundo, em que a própria realidade desafiaria o Fantastic Four em uma condição praticamente invencível e inevitável. O destino do planeta Terra estaria em jogo, nas mãos de um inimigo que representaria a fúria amoral da natureza.

Sim, faz muito sentido que Stan Lee usasse seu tom épico e hiperbólico para contar essa história da “ameaça final e invencível”, mas a criatividade desenfreada de Jack Kirby também não seria desconsiderada.

Seguindo o “Método Marvel”, Lee apresentou a ideia básica da história (que, pela epicidade envolvida, sairia em 3 edições – Fantastic Four (1961) #48-50 (março-maio/1966)) e Jack Kirby tratou de criar o visual dos novos personagens: o alienígena aliado (Watcher), o “Deus” (Galactus, com um inexplicável “G” no uniforme – que poderia ser “God” também) e um personagem “bônus”, que ele desenhou meio “de graça” – um sujeito metálico “voando” em uma prancha de surfe. Lee olhou esse personagem e quis saber do que se tratava – Kirby respondeu que pensou em um “arauto” (um “anjo” precursor) e pensou em usar um “signo” pop da época (os filmes de praia, envolvendo surfistas, eram uma febre, principalmente os estrelados por Elvis Presley) com um toque de ficção científica. Lee adorou o conceito – nascia o Silver Surfer, um dos personagens preferidos de Lee e estrelaria uma série própria, adorada pelos universitários da época.

O Juízo Final bíblico representa a volta de Cristo para resgatar os salvos e ressuscitar os mortos (salvos) – a partir daí, abre-se toda uma discussão escatológica que varia de acordo com as correntes denominacionais cristãs, mas a conclusão se dá com a derrota de Satanás e o julgamento definitivo de cada ser humano. Para chegar lá, porém, trombetas soarão, sinais serão vistos nos céus, etc. Lee e Kirby reproduziram esses “sinais” para anunciar a chegada de “Deus” (Galactus), anunciada por seu arauto – mas, antes de tudo, alertada pelo Watcher.

Qual seria a finalidade da chegada de Galactus? A verve criativa da dupla em seu auge chegou a uma solução original: Galactus é uma entidade cósmica que atua pela “entropia” – ele se alimenta da energia cósmica/vital que sustenta os planetas que abrigam vida. Seu arauto vai à frente procurando planetas apropriados para o apetite de seu mestre.

Lee e Kirby produziram uma história bem amarrada, épica, cheia de tensão, aventura, surpresas, ficção científica e dramas essenciais e filosóficos para todos os gostos. E ali lançam-se vários conceitos que depois seriam “copiados” e adaptados por outros roteiristas dos comics: o vilão que é uma força incontrolável da natureza, o herói desesperado por suas limitações e que explode com seus amigos (Reed Richards), o alienígena que quebra seu voto de não interferência ao questionar o sacrifício de uma espécie promissora (Watcher), o alienígena distante que sente compaixão pela humanidade e é punido por seu superior após esse ato de “traição” (Silver Surfer) e a “derrota” da ameaça por meio de um blefe (ou não?), mostrando que ninguém é absolutamente onipotente ou inatingível (Reed Richards usando o Ultimate Nullifier [“cedido” pelo Watcher] para ameaçar Galactus).

O auge criativo de Lee e Kirby ainda estava longe de acabar após essa história – eles criaram muitas outras ameaças “inéditas” e “definitivas” depois disso, tanto nas histórias do Fantastic Four quanto nas de Thor (portanto, houve uma escala além de “Deus”… hehe), mas essas 3 edições do arco de Galactus (chamada de “Galactus Trilogy”) marcaram a indústria dos comics – ali se estabeleceu mais um divisor de águas, implantando-se as bases para epopeias cósmicas e questionamentos metafísicos da realidade e do real significado da humanidade (algo que sempre fascinou Kirby e, certamente, inspirou as obras-primas de Jim Starlin, mas que vinha lá da tradição do sci-fi de Isaac Asimov, Arthur C. Clarke e Philip K. Dick). Pode-se dizer que as histórias cósmicas/espaciais dos comics, que até então reproduziam clichês alegóricos dos anos 1950, subiram mais um degrau, a caminho de abordagens mais adultas e profundas.

Roy Thomas repetiria o “Juízo Final” alguns anos depois, na mesma revista Fantastic Four, e envolvendo Galactus e um novo arauto (o androide Gabriel the Air-Walker… que tocava uma trombeta!), mas o padrão e a referência já estavam estabelecidos por Lee e Kirby.

Por fim, Lee e Kirby mostraram que, quando a criatividade está inspirada, nem mesmo ameaças catastróficas representam becos-sem-saída se o drama, o enredo e a ação estão bem azeitados. Mesmo com mais de 50 anos de idade, a “Galactus Trilogy” se mantém interessante e empolgante, mesmo com seus elementos inevitavelmente mais datados. É realmente algo difícil de acontecer.

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A efêmera e substanciosa passagem de Jim Steranko em Captain America – parte 2

Já falamos bastante sobre as qualidades de Jim Steranko e o contexto da Marvel e de Captain America – falamos até da cena de Steve Rogers fumando (!) – na primeira parte deste post. Agora vamos falar da história propriamente dita.

Logo de cara, vemos a tal cena de Cap fumando, em uma composição metatextual com um pôster com o rosto de Cap ao fundo. A cena se dá em uma rua, em frente a uma parede de tijolos e, de repente, as mãos verdes e gigantescas do Hulk aparecem do nada. Sim, o Hulk está em Nova York, e o Exército está lá perseguindo a criatura com disparos de energia iônica. E eis que surge o “sidekick” oficial, até então, de Bruce Banner/Hulk, para tentar resolver a situação e acalmar o Hulk. Sim, Rick Jones está ali correndo risco, tentando salvar o dia e confiando que pode acalmar o Hulk. Ledo engano – no meio do confronto com Cap e o Exército, Rick fica desacordado e o Cap se lembra imediatamente de Bucky – ele não vai permitir que outro jovem morra na frente dele!

Cap consegue resgatar Rick enquanto Hulk dá um megassalto para escapar, e leva o corpo desacordado do rapaz para se recuperar na mansão dos Avengers. Enquanto Cap matuta sobre a morte de Bucky pela enésima-octogésima-sétima vez, Rick desperta e, “curiosamente”, encontra os trajes de Bucky (de onde???) e veste. D0 nada, Rick diz que quer ser o novo Bucky, e Cap fica ultrajado. Os dois discutem, até que Cap cai em si e reflete que, sim, pode ser uma boa coisa para ele deixar de se remoer por Bucky de uma vez por todas… mas Rick tem de ser treinado ao máximo para chegar aos pés do que Bucky foi e, além disso, para não incorrer nos mesmos riscos que levaram à sua morte.

Nisso, toca um alarme na mansão dos Avengers – há uma emergência, e a “frequência sonora indica onde é o problema” (hein??? Stan Lee, como sempre, inventando (pseudo)ciência do nada). O problema é nos esgotos de Nova York, e Cap fala para Rick apenas isto: “está pronto?” Como ééééé’??? Depois de um longo diálogo sobre a necessidade de treinamento, Cap leva Rick direto para a ação sem nenhum treinamento??? E contra a Hydra???

A Hydra, comandada pela Madame Hydra da época (Viper atual), havia instalado uma bomba nos esgotos da cidade, e Cap aparece lá para impedir – ao cair em si de que Rick não tem treinamento, manda ele fugir, enquanto enfrenta um agente da Hydra com uma “power vest”, ampliando sua força. Fora de cena, Cap derrota o agente e veste suas roupas e a “power vest”, para enganar Madame Hydra. Eis que Rick retorna de sua fuga (para “ajudar” Cap) e estraga o disfarce de Cap – e quase é morto por Madame Hydra. Fim do episódio, bomba frustrada, Hydra fugiu, Cap e Rick conscientes de que precisam treinar mais. Tudo isso em uma edição – a #110 (fevereiro/1969)!

Na edição seguinte (#111, de março), começamos com uma cena em um fliperama, na zona portuária de Nova York, em que Cap tira a sorte “Amanhã você vive, hoje eu morro”… hmmm… uma profecia ou uma coincidência do destino? Bem, não há muito tempo para pensar nisso, pois a Hydra ataca, e Cap escapa por um triz. Mais tarde, Cap e Rick estão treinando, e Rick vai se decepcionando com suas limitações… pede para tirar uma soneca e, horas depois, acorda e vai abrir a porta da mansão após a campainha tocar e eis que jogam um envelope para Captain America por debaixo da porta. E é claaaaaaarooo que Rick vai abrir o envelope, que revela ter um pó alucinógeno (o avô dos ataques de antraz pelo correio?).

Rick tem uma viagem alucinógena de colher para a psicodelia de Steranko ser posta à prática enquanto é capturado pela Hydra, Cap chega a tempo de tentar impedir o sequestro, mas não consegue. E aí, o que Cap faz? Concluindo que Rick pode morrer porque sua identidade de Steve Rogers é pública, Cap resolve resgatá-lo… mas como vai fazer para encontrá-lo? Ora, voltar ao “local do crime” do começo da edição – o fliperama! Simples assim!

Enquanto isso, no QG da Hydra, Madame Hydra não quer nada com Rick e manda que seja executado… só que ele foge! E Madame Hydra não quer que ele avise Cap dos planos da Hydra – então, Rick ouve que Cap foi para o fliperama, e sai correndo a pé para lá, enquanto Madame Hydra o persegue de carro. No fliperama, Cap luta com um robô chamado Mankiller, até levar a luta para o telhado do prédio. Derrotando o robô, Rick chega e avisa Cap de que a Hydra vai metralhá-lo no teto. De fato, Cap pula no rio atrás do fliperama, enquanto seu corpo é fuzilado. Os policiais encontram apenas o uniforme estraçalhado de Cap e uma “máscara” de Steve Rogers – Cap morreu, e não era Steve Rogers… será?

A edição seguinte (#112, de abril) é desenhada por Kirby e é um “obituário” de Captain America, com Tony Stark/Iron Man relembrando fatos marcantes de Cap até o momento e “fechando o arquivo” do herói nos Avengers. Tapaburaco, claro… provavelmente por Steranko ter se atrasado.

Finalmente, na edição #113 (de maio), começa com cenas de noticiários de TV, bem no estilo que Frank Miller usaria anos depois. Vemos Madame Hydra queimando os arquivos de Captain America na Hydra, já que o inimigo havia sido derrotado – enquanto isso, ela relembra sua própria origem (pela primeira vez). Rick Jones está traumatizado e não quer falar sobre o que aconteceu com os Avengers, dizendo que Nick Fury sabe tudo que é necessário. Os heróis (menos Rick) vão ao velório, onde Fury faz uma elegia, indicando que o corpo de Cap no caixão é um boneco – o corpo real não foi encontrado. E eis que um cartão no caixão solta o gás alucinógeno da Hydra. Todos os Avengers presentes são anestesiados (inclusive o Vision, que é um androide!! Como assim? hehe). Bem, a Hydra captura todos eles e vai enterrá-los vivos!

Rick chega ao velório a tempo de ver a Hydra saindo com os caixões e segue-os até um cemitério, onde começará o “enterro” coletivo. Mas, antes que ataque, Cap reaparece em cima de uma moto e ambos derrotam a Hydra e salvam os heróis desacordados. Madame Hydra aparentemente morre em uma explosão (ela volta pouco depois… hehe). E Cap termina dizendo que “Steve Rogers morreu”.

Captain America com identidade secreta, Rick Jones como o “novo Bucky” são as mudanças dessa história corrida e com alguns pontos ingênuos. Rick não durou muito na função – não se achou à altura da função e, logo depois, se tornou alter ego de Captain Marvel (papel que teve por anos). Mas Cap não ficou sem “sidekick” – logo após viria o Falcon, que faria uma parceria de muitos anos também.

Como dissemos, essas edições valem mais pela arte e pelo design de Steranko do que pelo enredo corrido em si, mas, mesmo com essas falhas, o storytelling de Steranko é tão envolvente que você se empolga com a história mesmo em tempos mais exigentes como os de hoje!

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A efêmera e substanciosa passagem de Jim Steranko em Captain America – parte 1

 

Como já falamos alguns meses atrás no Umbigo Coletivo, a coluna semanal que fazemos na fanpage e no grupo de discussão, ambos no Facebook, a carreira de Jim Steranko nos comics e, particularmente, na Marvel foi meteórica, mas bastante substancial. O desenhista e roteirista, que já fora até mágico no passado, veio da arte publicitária e fez uma pequena revolução na segunda metade dos anos 1960, instituindo padrões visuais e de decupagem audaciosos, além de aproximar o teor dos comics das magazines P&B (mais “adultas”), driblando a censura do Comics Code, ao promover diálogos e cenas mais apimentados, sem serem explícitos.

O estilo de arte de Steranko teve seus imitadores que, por si só, chegaram ao status de grandes nomes dos anos 1970-1980 – um de seus maiores “inspirados” foi Paul Gulacy, que também carregou bastante na “pimenta” em seu traço que sempre homenageia atores e cenas do cinema clássico. Porém, na decupagem (forma como a história é montada e distribuída pelas páginas), estão lá elementos que, se não eram novidade (eram claramente inspirados na criatividade técnica e sem limites do mestre Will Eisner), estavam aprimorados ao estilo mais psicodélico e pop-art da época. Quem se inspirou nisso? Nada mais, nada menos, que Frank Miller que, por si próprio, foi um dos grandes inovadores e lançadores de tendência dos anos 1980.

Steranko teve participações em X-Men (com roteiro de Arnold Drake), em Nick Fury Agent of SHIELD (com roteiro de Stan Lee e, depois, dele próprio – este é seu principal trabalho) e em Captain America (com roteiro de Stan Lee). Vamos nos focar nessa fase pequena, mas repleta de mudanças, de Captain America, que se tornou um dos grandes marcos na bibliografia do personagem, mas mais pelo vigor da arte do que exatamente pelo conteúdo (embora aconteçam fatos importantes… mas, digamos… de forma corrida e superficial… e não parece que foi por culpa de Steranko… hehe).

A fase se dá em 3 edições de Captain America – #110-113 (fevereiro-maio/1969)… ué? Não são quatro edições? Não, a edição #112 foi um tie-in desenhado por Jack Kirby, provavelmente por Steranko ter atrasado. Bom, vamos então ao teor dessas histórias:

Stan Lee queria tirar Captain America da sua cantilena insuportável do lamento sobre a morte de Bucky, no final da Segunda Guerra Mundial. O próprio Lee havia criado essa “morte” (como já discutimos aqui no blog, foi o primeiro grande “retcon” do Universo Marvel) para ser mais um elemento para criar o “pathos” do personagem, para torná-lo mais humano, junto com o mote do homem do passado tendo de se adaptar ao presente. Mas essa choradeira já estava saturando, os leitores da época queriam que Cap se libertasse disso.

Outra coisa foi uma cisma temporária que Lee teve nessa época. Contrariamente ao movimento dos anos 2000, que foi eliminando a maior parte das identidades secretas (o que já falamos aqui no blog também), o final dos anos 1960 viu um movimento de aumento das identidades secretas na Marvel. Praticamente apenas Fantastic Four, Namor the Sub-Mariner e Hulk continuaram “publicamente conhecidos” (e a identidade do Hulk havia sido revelada há pouco). Outros heróis que tinham identidades públicas ou em vias de serem tornadas públicas tiveram histórias que impediram isso: Doctor Strange passou a usar uma máscara azul, “por motivos transcendentais”, o que depois se revelou ser uma interferência de uma entidade mística – Roy Thomas fez o serviço a mando de Stan Lee; Daredevil/Matt Murdock estava em vias de ter sua identidade descoberta por Foggy Nelson (seu sócio) e Karen Page (sua secretária apaixonada), e Stan Lee saiu com uma resposta de desenho animado – Murdock tirou da manga do colete um “irmão gêmeo” (Mike Murdock) que ninguém conhecia (e era ele mesmo, com outras roupas e outra atitude) e fez com que ele “fosse” Daredevil (ou seja, havia uma identidade secreta e outra identidade secreta desta agora) – até que Murdock se cansou da brincadeira, “matou” o irmão gêmeo e havia “outro” Daredevil atuando pela cidade – e os tolinhos caíram nessa por anos… hehe; e Captain America.

Captain America tinha sua identidade pública na época porque, primeiro, já era conhecido que ele era Steve Rogers, herói de guerra, e depois porque ele praticamente não tinha uma vida social propriamente dita: ou estava na mansão dos Avengers ou nos QGs da SHIELD. Mas era necessário que Steve Rogers voltasse ao anonimato.

A solução para esses problemas foi encontrada por Stan Lee nessas quatro edições, três delas desenhadas por Steranko. E isso seria feito de forma corrida, como se houvesse um prazo expirado. E, bem, as duas soluções se mostraram duradouras, embora o substituto de Bucky (Rick Jones) durasse pouco nessa posição, sendo substituído logo por Falcon.

O método de escrita de Stan Lee é bem conhecido pela liberdade criativa que ele conferia aos desenhistas – isso justifica a experimentação gráfica audaciosa de Steranko nas histórias, mas também coloca um pouco de culpa do aspecto corrido das histórias para Steranko – afinal, Stan Lee dava a ideia básica do enredo e depois retornava para fazer correções pontuais e os diálogos. De qualquer forma, vamos lembrar que essa época era de compressão nas histórias – muitas coisas aconteciam em histórias com menos páginas, nem sempre formando arcos (embora respeitassem a continuidade cronológica).

Outra coisa interessante a se comentar é que, mesmo com a história tendo algumas marcas indeléveis do tempo, como uso de telefones e existência de “fliperamas”, é uma história que não ficou datada, mas ficou “retrô” – muito por causa do estilo gráfico ousado de Steranko. Porém, existe um outro aspecto que deixaria o politicamente correto hipervitaminado dos dias de hoje escandalizado: Captain America/Steve Rogers fumando!!

Sim, fumar era um sinal de status desde os anos 1920, e se popularizou durante a Segunda Guerra Mundial, até mesmo nas trincheiras no fronte. Ora, maços de cigarro faziam parte dos “kits de sobrevivência” dos soldados. Fumar, fosse tabaco ou baseado, era algo em alta nos anos 1960 e 1970, sendo uma cena comum de vários mocinhos e mocinhas do cinema, da TV, dos livros. Na Marvel, Nick Fury, Thing e Wolverine eram famosos por fumar charutos… Banshee fumava cachimbo… e Captain America, Iron Man (como Tony Stark) e até mesmo Jean Grey eram fumantes!!

A patrulha antifumo começou apenas a partir de meados dos anos 1980 e chegou ao que conhecemos nos dias de hoje alguns depois, nos anos 1990… então parece muito estranho para os leitores de hoje ver seus heróis fumando como se não fosse nada demais (e, de fato, não era). Ora, grande parte dos roteiristas e desenhistas fumava! hehe

Bem, já falamos bastante dessas características de Jim Steranko e do contexto da época… vamos agora falar da história propriamente dita, na segunda parte do post.

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Captain America e a criação do cosmic cube – parte 2

Conforme falamos na primeira parte deste post, dois elementos importantes do Universo Marvel “estrearam” nesse arco de Captain America na revista Tales of Suspense (1959) #79-81 (julho-setembro/1966). Vamos a um panorama da história:

Captain America começa a enfrentar inimigos invisíveis para o povo na rua – apenas ele consegue enxergá-los. O fato faz com que ele seja indicado a um psiquiatra… e eis que um desses inimigos invisíveis invade a sessão de consulta e ataca Cap, e só ele consegue enxergá-lo! É interessante como o psiquiatra reclama que Cap destruiu seu consultório, e Cap sai com uma resposta irônica: “é só você que está enxergando isso”… bem atípico do que estamos acostumados a ver com Steve Rogers, né? hehe

Cap vai à S.H.I.E.L.D. e pede um dispositivo para anular a “invisibilidade” dos inimigos. Nesse ínterim, descobrimos que Red Skull está vivo e mostra-se como ele e mais dois comparsas foram resgatados de ruínas na Alemanha e revividos. Eles foram preservados por vigas que se cruzaram no desabamento e não os esmagaram, além de terem sido expostos a um gás experimental (bem conveniente… hehe). O resgate foi feito por uma organização de cientistas terroristas ora chamada T.H.E.M., ora chamada A.I.M. Essa organização aparecera há pouco na série de Nick Fury que saía na revista Strange Tales (1951) e Stan Lee parecia se confundir ele mesmo – em alguns momentos, dá-se a entender que a T.H.E.M. inclui a A.I.M., e em outros são a mesma coisa. Por fim, sabemos que o nome A.I.M. foi estabelecido.

De qualquer forma, Red Skull foi resgatado por eles e logo se aliou e resolveu dominar o grupo. Objetivo? Conquistar o mundo. Mas, primeiro, o objetivo era desmoralizar Captain America. Sim, um plano simplório e, para isso, usou-se um traje especial da A.I.M. que hipnotizava todas as pessoas ao redor – por isso o usuário ficava “invisível”. Cap percebeu a jogada e obteve um “neutralizador de hipnose” e revelou os inimigos a todos quando Red Skull mandou que um de seus aliados atacasse Cap mais uma vez. Capturado, o capanga disse que trabalhava para Red Skull. Reação de Captain America? “ah, eu sabia!” (mas ele não estava morto? hehe).

Nesse ínterim, vemos que Red Skull está usando outro dispositivo da A.I.M. para controlar outras pessoas – um hipnotizador em sua palma da mão, que hipnotiza quem ele toca (!?). Assim, ele manda seu outro aliado se suicidar e, ao saber que a A.I.M. desenvolveu um cosmic cube (um “dispositivo de onipotência”), resolve que quer controlá-lo para conquistar o mundo. Para isso, ele hipnotiza o “guardião do cosmic cube” para trazê-lo.

Isso leva a uma “rebelião” dentro da A.I.M., em que os terroristas cientistas tentam fugir da tomada hostil do Red Skull. Cap salva um desses cientistas que sofreu um acidente e é informado sobre Red Skull e o cosmic cube… e aí Cap se esforça em interceptar esse “guardião” que está levando o cosmic cube para a ilha-sede do Red Skull – e aí não consegue impedir que Red Skull pegue e use o cosmic cube ainda na praia.

O plano básico de Red Skull era usar o cosmic cube para controlar mentalmente a humanidade (olha aí o plot revivido recentemente pelo roteirista Rick Remender, em que Red Skull enxerta o cérebro de Professor X no seu para obter poderes telepáticos definitivos!). Bom, ao exibir suas novas possibilidades, e até criar uma armadura de ouro puro para si, Red Skull quer torturar Cap… mas este dá uma de malandro de novo!

Captain America se oferece para ser escravo eterno de Red Skull, que se empolga com a oportunidade de humilhar seu inimigo para sempre. Para isso, ele será o líder dos novos “Cavaleiros da Távola Redonda” e, ao sagrar o “cavaleiro”, Red Skull baixa a guarda e Cap tenta tirar o cosmic cube da mão do vilão. No confronto, Red Skull destrói a ilha, mas o cosmic cube cai no oceano e ele salta atrás. Com o peso da armadura de ouro maciço, Red Skull afunda. Red Skull e cosmic cube estavam perdidos para sempre no fundo do oceano (bem, sabemos que isso não durou muito… hehe)!!

Tudo isso que você leu (e mais um pouco) aconteceu em 3 edições de histórias com metade da quantidade usual de páginas, mas teve um impacto enorme na construção do Universo Marvel. Mesmo o ritmo acelerado e a concepção mais simplória do enredo não diminuem esse impacto. Kirby não duraria muito mais tempo nas histórias de Captain America, mas Stan Lee continuaria escrevendo por mais tempo e, principalmente quando Iron Man ganhou revista regular solo própria e Tales of Suspense se tornou a revista Captain America (em 1968), poderia desenvolver enredos muito mais elaborados – inclusive um novo confronto envolvendo Red Skull e cosmic cube (com a origem de Falcon), desenhado por Gene Colan.

Assim, como podem ver, grandes conceitos ou elementos centrais em um universo ficcional compartilhado podem surgir de histórias simples, porém substanciosas… hehe

Fontes:

Revistas referidas

Captain America e a criação do cosmic cube – parte 1

O cosmic cube é um dos artefatos mais poderosos do Universo Marvel. Até o surgimento da Infinity Gauntlet, nos anos 1990, era praticamente o único jeito de se atingir onipotência por meios artificiais e não místicos. Mas, mais do que isso, já se aprofundou na caracterização do cosmic cube, que atingiu a condição de estágio evolutivo de um ser vivo. E ele apareceu pela primeira vez em uma história de Captain America, em 1966.

Aliás, essa história também foi a estreia de Red Skull no “presente” – foi nessa história que soubemos que Red Skull havia sobrevivido ao seu “confronto final” com Captain America na Segunda Guerra Mundial… e também soubemos que ele deu as ordens para a operação de Baron Zemo que culminou com a morte de Bucky (ok, sabemos hoje que Bucky também sobreviveu, mas por cerca de 40 anos não soubemos disso).

Essa história também mostrou que o cosmic cube seria um verdadeiro “fetiche” para Red Skull, representando o objetivo da maioria de seus planos e a conquista que ele teve por várias vezes, mas não conseguiu manter. Logo, embora o cosmic cube apareça em histórias de inúmeros outros personagens do Universo Marvel, é nas histórias de Captain America onde ele tem maior frequência de aparecimento… até agora.

O artefato está em grande evidência no Universo Marvel atualmente, e pode ter grande relevância em uma reacomodação da continuidade, que parece estar próxima. E, ah sim! Se você só conheceu o Universo Marvel pelos filmes do cinema, o cosmic cube também está lá, com o nome de tesseract… embora tenha sido transformado em uma das Infinity Stones (Infinity Gems, nos quadrinhos), assim unificando os artefatos cosmic cube e Infinity Gauntlet.

Essa história aconteceu em três partes na revista Tales of Suspense (1959), edições #79-81 (julho-setembro/1966) – essa era a revista onde saíram as primeiras aventuras solo contemporâneas de Captain America. E era uma revista mix, em que Cap dividia as edições com Iron Man – e, por isso, as histórias eram mais curtas.

Até os anos 1970, as revistas mix eram soluções comuns em várias editoras – isso porque as distribuidoras impunham limites na quantidade de títulos (não na quantidade de exemplares) distribuída por mês – assim, essas revistas mix serviam para publicar mais personagens diferentes na mesma quantidade de títulos. No caso da Marvel, essa restrição era ainda maior pois, até o começo dos anos 1970, ela era distribuída pela maior rival (a National/DC). Sim, é claro que rolava estratégia de contenção concorrencial aí… hehe

De qualquer forma, várias histórias de Captain America nessa revista eram ambientadas na Segunda Guerra Mundial (e Red Skull apareceu nela), sem grandes acréscimos à continuidade, mas são as histórias contemporâneas, que se estabeleceram definitivamente na edição #78 (junho/1966), que começaram a ser peças importantes da cronologia e da estruturação do Universo Marvel.

E é exatamente aí que entramos – Stan Lee e Jack Kirby, dois dos principais artífices (senão os maiores) das bases do Universo Marvel, começaram a usar as histórias de Captain America ativamente na construção desse universo compartilhado. Afinal, cosmic cube e Red Skull são importantíssimos em todo esse universo ficcional de que tanto gostamos.

Esse arco de três edições de que falamos é tido como um dos melhores de Captain America, mas talvez mais pela relevância das estreias do que realmente pela qualidade e/ou profundidade do enredo. Obviamente que, no contexto da época, isso estava acima da média – então, o que estamos avaliando aqui é com os olhos de 2017, e não de 1966.

Certamente um fator muito importante nessa estrutura de enredo é o número limitado de páginas por edição – as histórias tinham de ter metade do tamanho usual, e isso tinha de fazer com que o storytelling fosse mais rápido e abreviado. É justamente o contrário do que é comum hoje, em que as histórias são “descomprimidas”, em que a ação e o enredo demoram mais tempo para deslanchar. De qualquer forma, essa forma mais comprimida faz com que os fatos importantes ocorram de forma mais corrida e com pouca exploração das causas e consequências.

Vamos analisar a história com mais detalhes na segunda parte desse post.

Fontes:

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O parto complicado do lançamento de Daredevil (1964) – parte 2

Continuando a primeira parte do post, Everett não conseguiu nem mesmo terminar a primeira edição de Daredevil (que ficou adiada para 1964, saindo mais precisamente com data de abril/1964). Para isso foram convocados os desenhistas Steve Ditko e Jack Kirby, além do gerente de produção Sol Brodsky. Ditko fez a “artefinal”, Kirby artefinalizou a capa (e também já tinha participado da criação do personagem, ao sugerir a bengala para ser usada como arma) e Brodsky tratou de ampliar algumas cenas para criar “splash pages” (páginas inteiras) e ocupar espaço.

É interessante ver a primeira edição de Daredevil (1964) e conferir que a “influência” de Spider-Man era escancarada: “Lembram-se quando introduzimos Spider-Man? Agora continuamos com a poderosa tradição da Marvel com… Daredevil! Uma valiosa revista companheira de um sucesso tão estrondoso quanto o fabuloso Fantastic Four!” Pode-se dizer que a influência não parecia tão óbvia, já que Spider-Man e Fantastic Four eram os principais títulos da editora na época e estavam lá como chamariz para novos leitores. Até mesmo havia esta outra chamada: “Você consegue imaginar por que Daredevil é diferente de todos os outros combatentes do crime?” Ou seja, para alguém menos atento, poderia ser dito que era só uma estratégia de marketing. Mas o fato é que não havia necessidade de colocar “Lembram-se quando introduzimos Spider-Man?”, se não fosse para associá-lo ao personagem. E, de fato, havia um esqueminha semelhante na estrutura geral da primeira história.

Escrita por Stan Lee e desenhada (basicamente) por Bill Everett, Daredevil (1964) #1 contava com um Stan Lee “atacado”, exagerando em suas hipérboles e grandiosidade, mas demonstrando grande domínio de diálogos e descrições de cenas. Lee estava realmente no auge. A arte de Everett era muito competente (bem mais que no passado), mas com muita “correção” de seus colegas, como já falamos antes.

Mas, essencialmente, a história da origem de Daredevil (que é o que se conta nessa edição) tem muitos elementos em comum com Spider-Man, mas ligeiramente diferentes. Matt é filho de um boxeador em fim de carreira que tenta pagar os estudos do filho com suas últimas lutas. Diz-se que a mãe morreu (o que depois foi desmentido anos depois), e o pai prometeu que Matt nunca seria um lutador fracassado como ele – ele seria um “doutor” (ou seja, em vez de uma tia, Matt tinha seu pai… que depois morreu no final da história, assumindo também o papel trágico do tio Ben). Matt obedecia ao pai, e era vítima de bullying dos amigos da rua – era chamado de “Daredevil” e “maricas” porque vivia apenas lendo livros. Para aumentar a dramaticidade, o garoto Matt salvou um idoso que seria atropelado por um caminhão, e aí teve os olhos expostos ao material radioativo que o veículo transportava (sim, a radiação era a origem de muitos superpoderes da época). Isso causou sua cegueira e, curiosamente, o garoto Matt não estava revoltado no hospital, aceitando sua condição tranquilamente (isso foi mudado depois também).

A tragédia pessoal de Matt realmente não interferiu em seu desenvolvimento, pois ele aprendeu a ler braille em pouco tempo (!). Na verdade, seus sentidos foram hiperaumentados e ele desenvolveu um sentido de radar. Assim conseguia ler sentindo a saliência da tinta de impressão… mas, mesmo assim, ele “fingia” que lia em braille… hehe

Mesmo mantendo-se obediente ao pai, Matt queria praticar esportes, e assim iniciou um treinamento “secreto” com os aparelhos do pai. E ao contrário do que se vê hoje nos quadrinhos e na série do Netflix, Matt entrou na faculdade de Direito antes da morte de seu pai. Logo, quando seu pai morreu, ele já tinha uns 20 anos. E o pai (o “Battlin’ Murdock”) morreu após um momento de dignidade: havia sido contratado por um agente de lutas falsas (para apostas) e se recusou a perder uma luta ao saber que Matt estava na plateia. O agente de lutas (chamado “Fixer”) não gostou e mandou matá-lo. Matt concluiu seu curso alguns meses depois e abriu sua firma de advogados com o sócio Foggy Nelson e a secretária Karen Page (de olho nele desde o começo) logo em seguida.

A mudança foi feita por Frank Miller, mas não no longo e bem-sucedido período em que escreveu as histórias de Daredevil no início dos anos 1980 (onde até recontou a origem do herói de forma fiel). A mudança aconteceu na minissérie Daredevil: Man Without Fear (1993), que fez com que a morte acontecesse ainda quando Matt era criança – e essa versão se cristalizou, assim como outras mudanças que Miller fez nessa história.

Voltando à primeira edição da carreira de Daredevil, Matt achou uma saída curiosa para não quebrar a promessa que fez ao pai, de “sempre usar a cabeça em vez dos punhos”. Resolveu criar uma identidade secreta (Daredevil) para fazer com os punhos o que ele não conseguia resolver com seu cérebro, como advogado. E a primeira “missão” foi vingar a morte do pai, tentando obter a confissão do crime pelo Fixer e por seu matador de aluguel. Ao fazer isso, recorre a blefes e ameaças e, no fim, Fixer morre de ataque cardíaco.

As semelhanças com Spider-Man continuaram, portanto: a exemplo de Peter Parker, Matt Murdock foi tratar de se “vingar” da morte do pai, embora o remorso não seja uma mola propulsora na carreira de Daredevil (como é em Spider-Man). E as similaridades não param por aí: desenvolveu-se um cabo extensível na bengala (para funcionar como “teia”) e Daredevil assumiu uma persona engraçadinha durante as lutas, soltando várias piadas. Suas histórias tinham um clima mais leve (novamente, foi Frank Miller quem tornou Daredevil “soturno”).

Voltando aos problemas da série, estes não se limitaram apenas ao lançamento da primeira edição, mas também nas edições seguintes. Stan Lee resolveu trazer um inimigo de Spider-Man para a segunda edição (era Electro) no intuito de aumentar o interesse do público. Entretanto, Bill Everett caiu fora do barco, com a Marvel arrumando rapidamente a dupla Joe Orlando (arte) e Vince Colletta (artefinal) para fazer algumas edições até conseguirem um desenhista fixo.

Orlando também teve problemas com prazos e faria apenas 4 edições, com a edição #6 (fevereiro/1965) sendo a estreia do novo desenhista regular: Wally Wood, “mestre” de Orlando, que já era famoso por sua carreira na editora EC Comics e também fez sua contribuição, ao desenvolver o uniforme vermelho de Daredevil (em substituição ao uniforme marrom e amarelo original). Esse passou a ser o visual básico do herói, e tinha de ser vermelho pela associação com o “diabo”.

Dizem que a personalidade de Wally Wood era difícil, mas ele era um trabalhador “braçal” competente, que lutava contra uma enxaqueca crônica, além de fumo e alcoolismo. Mas, o que importava, a produção, era competente, dentro dos prazos. Era isso que Goodman e Lee queriam.

Mesmo com Wood cumprindo os prazos, ele não durou muito tempo, saindo na edição #11 (dezembro/1965), sendo substituído por outro esteio de Stan Lee – John Romita Sr, que não obteve o mesmo sucesso que teve em Spider-Man. O grande desenhista de Daredevil antes de Frank Miller só viria mais no final dos anos 1960: Gene Colan, que, irônica e tragicamente, morreu cego, por causa de glaucoma.

É incrível verificar que Daredevil teve grandes nomes da arte dos comics em sua história de publicação, mas a coisa não engrenava com os leitores/fãs. Somente Frank Miller mudaria essa história, a partir de 1980, quando a paciência para evitar cancelamento estava no fim.

Fontes:

SANDERSON, Peter – Marvel Universe

SANDERSON, Peter – Marvel Chronicle

HOWE, Sean – Marvel Comics the Untold Story

WELLS, John – American Comic Book Chronicles – 1960-1964

Wikipedia

Revistas referidas

O parto complicado do lançamento de Daredevil (1964) – parte 1

O Universo Marvel propriamente dito que conhecemos hoje começou oficialmente em novembro/1961, com Fantastic Four. Depois disso, com o sucesso da revista, tivemos novos lançamentos em 1962: Hulk, Thor, Ant-Man, as histórias solo de Human Torch (Johnny Storm) e Spider-Man. O ano de 1963 é considerado como o auge dessa primeira fase criativa, com os lançamentos de Iron Man, Nick Fury (ainda como personagem de histórias de guerra), Doctor Strange, Avengers e X-Men. Mas houve algumas “sobras” para 1964: Captain America (que seria introduzido em Avengers) e Daredevil. O que nem sempre é lembrado é que Daredevil estava previsto para sair em 1963… e no lugar de Avengers! E vamos tratar aqui dos problemas que levaram a esse atraso.

Já falei outras vezes aqui no blog sobre os problemas da tradução de Daredevil, pois o nome tem várias conotações que fazem parte da própria caracterização do personagem. Ao pé da letra, “daredevil” seria algo como “demônio ousado”, mas, na verdade, o termo se refere a artistas de proezas acrobáticas. O acrobata que realiza saltos mortais ou que dirige uma motocicleta no “globo da morte” é um exemplo de “daredevil”. E, por desafiarem o perigo, são chamados de… “homens sem medo”!!

Por outro lado, a parte do “devil” é responsável pelos chifres da máscara do personagem e, depois, por seu uniforme vermelho – e por que “devil”? Porque ele morava na “Hell’s Kitchen” (Cozinha do Inferno), em Nova York.

Daredevil também é um herói cego – e por isso ele desafia o perigo – porque, mesmo com seus sentidos hiperaguçados e o radar que foram desenvolvidos após seu acidente radioativo, ele não vê o que está fazendo! Não bastasse isso, Matt Murdock (seu alter ego) é um advogado, ou seja, um defensor da justiça… e a justiça é representada por uma mulher vendada! Por fim, Daredevil seria uma identidade separada de Matt Murdock para defender a justiça FORA da justiça propriamente dita: aquilo que a justiça “oficial” deixa escapar.

Muito bem, dito tudo isso, vamos aos problemas, digamos, técnicos do lançamento de sua primeira série, em 1964. De fato, Daredevil foi um personagem “encomendado”. Como assim? O dono da Marvel na época era Martin Goodman, tio de Stan Lee (que era o editor-chefe e roteirista de um monte de coisa). Goodman estava entusiasmado com os números de vendas das novas revistas de super-heróis que estavam produzindo (e incomodando a National [atual DC]). É curioso que as revistas Marvel eram distribuídas pela National (que tentava “reduzir” a concorrência ao controlar a quantidade de revistas lançadas e distribuídas pela rival) – por isso, Goodman apelava por mudar nomes de revistas ou até mesmo juntar personagens em uma revista “mix” para aproveitar o espaço. De qualquer forma, ele conseguiu mais vagas para distribuição em 1963, e ainda faltavam preencher duas dessas vagas. Encomendou então a Stan Lee que desenvolvesse e lançasse duas novas séries, inspiradas no mesmo estilo de Fantastic Four e Spider-Man – essas revistas eram X-Men e Daredevil, respectivamente.

Também é curioso lembrar que essas duas séries encomendadas não tiveram vida fácil em seus primeiros anos, apesar até de algumas histórias muito boas. Essas séries ficaram sob ameaça de cancelamento várias vezes até serem reformuladas por Len Wein & Chris Claremont/Dave Cockrum e Frank Miller, respectivamente. Essas reformulações tornaram as franquias plenamente viáveis e sucessos de público, verdadeiros ícones da cultura pop dos comics.

No entanto, essa “zica” já estava presente na concepção de Daredevil, como veremos adiante. Stan Lee resolveu abordagens diferentes para essas novas séries: X-Men seriam uma escola, em vez de uma família (como é o caso de Fantastic Four) – além disso, os heróis não teriam acidentes criando seus poderes, mas nasceriam com esses poderes (o fator “extra” – daí o “X”, de “eXtra-men”); já Daredevil seria um personagem um pouco diferente do usual até então, em que os poderes vinham com deficiências compensatórias (como a claudicação de Don Blake [quando não era Thor], o estilhaço no coração de Tony Stark [Iron Man]) – no caso, Daredevil já seria cego antes de ser um herói (não foi o que aconteceu na prática, pois a cegueira foi causada pelo acidente que lhe deu os poderes, mas a intenção original era essa, de os poderes compensarem a cegueira).

Existem informações de que Lee se inspirou no detetive cego Duncan Maclain, estrela de uma série de livros escrita por Baynard Kendrick, para desenvolver a ideia de Daredevil. No entanto, a ideia de um super-herói cego não era novidade – a National (DC) já tinha o personagem Doctor Mid-Nite desde os anos 1940… e Stan Lee disse marotamente que não se lembrava desse personagem… hehe

Stan Lee declarou que gostava do nome Daredevil, mas esse nome já era usado por um herói nos anos 1940: tratava-se do Dare-Devil, um herói misterioso publicado pela editora Lev Gleason. Dare-Devil nada tinha a ver com o Daredevil atual (a não ser grande habilidade acrobática), mas a editora original faliu, e o personagem sumiu da cena editorial. O nome estava disponível para qualquer editora assumir, e foi o que a Marvel fez (se você quer conhecer o Dare-Devil, que caiu em domínio público, ele tem aparecido em histórias publicadas pela editora Dynamite e também como elenco de apoio da série Savage Dragon, pela editora Image).

O problema começou quando se foi começar a produzir a revista. O artista escolhido foi um dos “fundadores” da Timely Comics (a editora que deu origem à Marvel). Tratava-se do veterano Bill Everett, criador de Namor. Everett estava afastado dos comics há muitos anos, trabalhando duro como gerente de uma fábrica de papel. Everett topou em voltar como uma segunda atividade, mas não conseguia cumprir os prazos por causa da grande carga horária de seu trabalho principal, que também lhe deixava muito cansado. Isso levou a um atraso considerável.

E esse atraso teve consequências: Goodman já havia comprado (e pago) tempo de gráfica para essa revista e, portanto, não poderia perder dinheiro. Por isso, encomendou um título de emergência para Stan Lee, que recorreu a seu parceiro mais prolífico para ajudá-lo: Jack Kirby. Na pressa, a ideia mais óbvia seria: vamos reunir os heróis em uma grande equipe (a ideia original de Justice League of America, da DC) – assim surgiram os Avengers – hoje uma das maiores franquias da Marvel.

Mesmo já causando prejuízo à editora, é incrível ver como Stan Lee persistiu com a ideia de Daredevil. Pelo que consta, havia certa ideia de que Everett atrairia muito público justamente por sua qualidade técnica e histórica. Bem, Everett desenhou apenas a primeira edição e, depois, quando finalmente retornou aos comics escrevendo e desenhando Namor (depois só escrevendo) não fez tanto sucesso assim…

Como acabamos de dizer, Everett acabou desenhando apenas a primeira edição, mas nem mesmo fez isso sozinho. Vamos falar disso na parte 2 deste post, além de também comentarmos a primeira história do personagem.

Fontes:

SANDERSON, Peter – Marvel Universe

SANDERSON, Peter – Marvel Chronicle

HOWE, Sean – Marvel Comics the Untold Story

WELLS, John – American Comic Book Chronicles – 1960-1964

Wikipedia

Revistas referidas

Sentinels: Conceito Multitarefa no Universo Marvel

Nos primórdios das aventuras dos X-Men, Stan Lee e Jack Kirby repetiam na maior parte das vezes a mesma rivalidade: Professor X e os X-Men (o “bem”) contra Magneto e sua Brotherhood of Evil Mutants (o “mal”).  As “inspirações” de Martin Luther King e Malcolm X não eram assim tão explícitas (do tipo mesmo objetivo (de igualdade racial, com metodologias diferentes). O que havia era realmente o maniqueísmo tradicional: mutantes do bem contra mutantes do mal. Mesmo os adversários não ligados a Magneto e seu grupo também eram essencialmente “do mal” na época, como Juggernaut e Vanisher. Isso mudaria um pouco com os Sentinels, que surgiram pela primeira vez em X-Men (1963) #14 (novembro/1965).

Com os Sentinels, Lee e Kirby introduziram o medo que a humanidade sentia dos mutantes na equação das histórias dos X-Men. Não que isso não existisse antes nas primeiras histórias, mas era a primeira vez que um humano normal entrava ativamente no conflito. Tratava-se do antropólogo renomado Bolivar Trask, que descobriu que seus dois filhos eram mutantes. Preocupado com a descoberta, começou a estudar o fenômeno dos mutantes e concluiu que eles dominariam a humanidade em pouco tempo, exterminando os homens “normais”. Então Trask resolveu proteger a humanidade, ao mesmo tempo em que preservava seus filhos. Como?

A estratégia foi gastar a fortuna da família no desenvolvimento de um grande robô que serviria como fábrica de uma tropa de robôs com a missão de caçar e capturar ou exterminar mutantes. Os robôs eram os Sentinels e o “robô-fábrica” era o Master Mold. A ideia do Master Mold é em si ingênua – qual é a funcionalidade de uma estrutura que serve para montar cópias menores dela mesma? Ok, alguém poderia dizer que seria uma “reprodução artificial”, mas, na verdade, uma linha de montagem seria mais lógica e barata pois, afinal de contas, para um Master Mold “operacional”, seria necessário um afluxo enorme e constante de energia e matérias-primas e/ou peças pré-fabricadas. Certo, alguém poderia dizer que “é só gibi”… hehe… mas mesmo em tempos mais simples e ingênuos, como os anos 1960, isso era estranho – demonstrava que, apesar dos planos e esforços de Stan Lee de difundir os comics de super-heróis a outros públicos mais velhos, o objetivo mais imediato ainda era o público infantil.

Os Sentinels originais ainda não eram gigantescos e eram equipados com programas de rastreio de DNA mutante (embora estivessem “proibidos” de identificar os mutantes da família Trask – tanto essa programação específica quanto o uso de um medalhão especial, que ocultava o DNA mutante eram usados pelo filho de Trask, Larry, para permanecer incólume [o próprio Larry não sabia que era mutante]).

Apesar da inteligência artificial limitada, os Sentinels concluíram que sua missão seria mais bem cumprida se eliminasse a origem das mutações: a humanidade. E, obviamente, a situação saiu do controle. Mesmo com essa trama simples e fora do normal, Trask percebeu o erro que estava cometendo e morreu tentando eliminar os Sentinels com uma explosão.

Larry Trask culpou os mutantes pela morte do pai e resolveu financiar (haja dinheiro) uma nova geração de Sentinels, maior, mais inteligente e capaz de “aprender” com os mutantes que enfrentava: após um primeiro confronto, passavam a desenvolver poderes para neutralizar os poderes dos mutantes – esses foram os Sentinels que mais apareceram, em diversas versões, no Universo Marvel. E, mesmo tão poderosos, sempre foram derrotados.

Os Sentinels passaram a enfrentar outros heróis, inclusive não mutantes, seja com planos de extermínio da humanidade ou de controle político. Também foram usados simplesmente como armamento e chegaram a ter versões desenvolvidas pelos soviéticos.

Pelo menos dois Sentinels chegaram a ser usados como mascotes: um por uma menina psicocinética que dominou a “mente” do autômato e outro por um adolescente que recauchutou uma carcaça semidestruída de Sentinel.

O governo americano também usou Sentinels para proteger os mutantes (quando estes estavam em extinção) e para missões de segurança nacional – esses Sentinels compunham o Sentinel Squad ONE, comandado por War Machine, e foram transformados em “veículos” (precisavam de pilotos humanos) por Tony Stark (Iron Man).

Não bastasse isso, Sentinels também já foram transformados em cópias robóticas dos X-Men e dos Avengers. Está achando estranho? Tem mais… Acha que o pico tecnológico de “periculosidade” foi obtido com a segunda geração de Sentinels? Nãããooo…

O potencial destrutivo dos Sentinels “clássicos” foi mostrado na Realidade-811 (Days of Future Past), um futuro alternativo em que os Sentinels conquistaram os EUA e transformaram o país em um Estado policial, exterminando os heróis e confinando os poucos mutantes sobreviventes em campos de concentração. Essa distopia mostrava o verdadeiro risco que os Sentinels representavam e passou a assombrar os mutantes em várias histórias. Até mesmo um membro dos X-Men, Marvel Girl (Rachel Summers), veio desse futuro alternativo para o presente, tentando evitar tal futuro.

Porém, esse futuro alternativo não seria apenas um pesadelo a ser evitado, ele viria ao presente quando o protótipo do Sentinel “definitivo”, Nimrod, chegou no Universo Marvel a partir dessa realidade. Nimrod era um Omega Sentinel, feito de materiais não metálicos, capaz de controlar todos os seus componentes (e de se transformar em “humano”) e dotado de armamentos e softwares avançados, além de ser capaz de teleporte. Apesar de todo esse poderio, Nimrod foi derrotado algumas vezes, até ser “fundido” com um Master Mold e, posteriormente, se tornar um novo ser: Bastion.

Bastion se tornou um “Sentinel humano” e, ao se envolver com o governo, conseguiu formar uma organização antimutante, a Operation: Zero Tolerance. A grande novidade desse projeto foi a criação dos Prime Sentinels. sentinelas humanos que entravam em “modo Sentinel” quando suas próteses artificiais se ativavam – em outras palavras, foram transformados em ciborgues com programação de Sentinel sem seu próprio conhecimento quando passaram por tratamentos ortopédicos ou de transplantes. Sim, os Sentinels passaram a ser pessoas inocentes sendo controladas por Bastion. Apesar do potencial dessa evolução dos Sentinels, a ideia foi abandonada com o fim do projeto governamental.

Porém, um desses Sentinels sobreviveu e até entrou para os X-Men! Trata-se da indiana Karima Shapandar, com o codinome Omega Sentinel, devidamente livre da programação antimutante dos Sentinels, obviamente. Outro herói também chegou a ser “contaminado” pela programação Sentinel – trata-se de Machine Man (X-51), que teve de lutar com essa diretiva antimutante até conseguir suprimir a programação.

Também há atualmente um outro “Sentinel” entre os X-Men – Cerebra – mas trata-se apenas de uma inteligência artificial criada pelo mutante inventor Forge e instalada na carcaça de um Sentinel – em outras palavras, não faz parte da estrutura “básica” dos Sentinels.

Finalmente, também tivemos os Nano-Sentinels, nanitas microscópicos que infectavam os mutantes em sua circulação sanguínea! Esses Nano-Sentinels funcionavam exatamente como uma doença, eliminando a defesa imune dos mutantes infectados – foram destruídos e, curiosamente, ninguém teve mais essa ideia.

Em linhas bem gerais, tivemos um grande resumo de como os Sentinels foram representados no Universo Marvel e, curiosamente, não existe uma “versão definitiva”. Com várias funções e caracterizações, automatizados ou independentes, com níveis variáveis de poderio, não conseguiram concluir sua missão original. Nem mesmo no futuro alternativo governado por eles, ainda há mutantes e humanos. Como explicar que os Sentinels não conseguem obter êxito mesmo quando parecem invencíveis?

A resposta mais óbvia é imediata: são vilões típicos de histórias de super-heróis – por mais poderosos que sejam, sempre têm calcanhares-de-Aquiles. Mas, mesmo assim, eles se tornaram emblemáticos, mesmo quando não apareciam com tanta frequência (antes dos anos 1980). Tornaram-se simultaneamente símbolos do medo dos humanos e do risco onipresente de perda de controle da tecnologia – ambos temas recorrentes não só nas histórias dos mutantes, mas também dos super-heróis em geral.

Fontes:

Official Handbook of the Marvel Universe

Savage She-Hulk (1980) – A prima do Hulk começou com o pé esquerdo

Quando se fala em She-Hulk hoje, logo se pensa em séries bem-humoradas, mas não foi assim que a personagem foi criada. A primeira série regular da personagem – Savage She-Hulk (1980) – era bem diferente da versão “Sensational She-Hulk” que conhecemos hoje. She-Hulk era uma personagem como todas as outras no padrão Marvel – uma personagem humana, com problemas pessoais, que foram aumentados por seus poderes, mas que o senso de dever e justiça eram mais importantes.

Dessa forma, por não ser diferente disso, She-Hulk não emplacou logo de cara. Ok, houve outros problemas que apontaremos adiante também, mas, de fato, ela só emplacou quando se mudou o foco da personagem – um fenômeno semelhante ao que aconteceu com Hercules, também na Marvel.

Para começo de conversa, She-Hulk foi uma personagem criada por necessidade, pela mesma razão que Spider-Woman (Jessica Drew) foi criada: a Marvel precisava garantir a marca registrada da ideia antes que alguém lançasse. No caso de Spider-Woman, havia uma heroína criada em uma série animada da produtora Filmation. No caso de She-Hulk, a Marvel foi mais esperta: resolveu se precaver antes que tivessem a ideia!

E tudo indicava que essa ideia apareceria logo: a série live-action do Hulk fazia sucesso na TV, e a Marvel não tinha controle criativo total (tanto é que o personagem principal era David Banner e não Bruce Banner [o produtor achava que “Bruce” não era um nome muito “masculino”]). Além disso, outra série live-action fazia muito sucesso na TV – The Six-Million-Dollar Man (Ciborgue, aqui no Brasil) – e essa série já tinha tido uma série spin-off (derivada): The Bionic Woman (a Mulher Biônica). Logo, a Marvel tinha medo de que a produção da série live-action do Hulk lançasse uma série derivada (uma “Hulk Woman”) e tivesse os direitos exclusivos da personagem!

Assim, She-Hulk surgiu para o público em fevereiro/1980, já com série regular própria. A primeira história e origem ficaram por conta Stan Lee (roteiro) e John Buscema (arte) – uma equipe de peso, não? Sim, mas a personagem é tida como um dos maiores “fracassos” de Stan Lee, por não ser tão “inspirada”. Mesmo assim, se você ler essa história de origem da personagem, ela não é ruim. Pelo contrário, tem o padrão da época (Era de Bronze, final dos anos 1970).

Se você ainda não conhece, Jen Walters é prima de Bruce Banner. Filha de um xerife de Los Angeles e advogada de acusação contra um chefão do crime (chamado Trask), Jen recebe a visita do primo e, nesse período, é vítima de um atentado a mando de Trask. Atingida por uma bala, Jen tem a vida salva pelo primo, que improvisa uma transfusão de sangue – assim, ela é “contaminada” pela maldição do Hulk.

Como a origem de sua exposição gama é indireta e, considerando sua condição física feminina, além de ser “mignon” e tímida, Jen passou a se transformar em uma versão feminina do Hulk, mais fraca e menos poderosa, mas ainda superpoderosa. Porém, ela conseguia ter controle de sua identidade, manifestando o oposto do que ela era: ou seja, demonstrando impulsividade, autoconfiança e perda da timidez com o sexo oposto.

Muito bem, nada demais, dentro do que se via na época. O problema foi que Lee e John Buscema não continuaram. A partir da segunda edição, o roteirista passou a ser David Anthony Kraft e a arte passou para Mike Vosburg, com artefinal de Frank Springer (que seria o desenhista principal de Dazzler (1981) na mesma época)).

Kraft tinha como principal trabalho ter sido uma fase considerável em Defenders (1972) (entre 1977 e 1979). Em Defenders, Kraft manteve o espírito leve e divertido que o roteirista Steve Gerber havia introduzido na série e, com isso, manteve o interesse e o público sem comprometer. Mas, não se destacou em outro material – ou seja, não é um roteirista incluído entre os “maiores”.

Mike Vosburg começou sua carreira nos anos 1970 e, embora nunca tenha chegado ao estrelato, sempre fez um trabalho competente, com um estilo característico de desenhar mulheres. E o já veterano Frank Springer era especialista justamente em desenhar mulheres! Curiosamente, Vosburg chegou a dar uma declaração dizendo que não conseguia entender por que ele e Springer não conseguiam desenhar uma Jen Walters/She-Hulk bonita.

Eu, sinceramente, não acho que a desenhavam feia – inclusive, em termos de “musas dos comics” na minha adolescência, Jen estava na minha lista (é… Silver Sable, minha musa máxima, ainda não havia sido criada… hehe).

De qualquer forma, é uma opinião usual de que a equipe de Kraft/Vosburg/Springer não emplacou… mas, mesmo assim, a série Savage She-Hulk (1980) durou 25 edições, das quais 24 feitas pelo trio (#2-25: março/1980-março/1982). E isso mostra que, apesar das críticas, a série se manteve viável por dois anos.

Entretanto, quando se lê a série, percebe-se que não havia como decolar. Embora as histórias não sejam exatamente ruins, não se encontrou uma forma de criar empatia com os personagens – nem com Jen Walters, nem com seu elenco de apoio e nem mesmo com os vilões. Jen Walters destruiu sua carreira como advogada, sua vida pessoal virou uma bagunça, não conseguia acertar sua vida amorosa (um namorado como Jen e outro como She-Hulk) e, a partir de certa altura, depois que passou a controlar suas transformações, resolveu se tornar She-Hulk 24 horas por dia.

A série Savage She-Hulk teve boas sacadas, como essa decisão de escolher ser She-Hulk e a piada recorrente da destruição de carros (que persegue a personagem até hoje), mas o conjunto da obra realmente não empolga e, pior ainda, apresenta pouca verossimilhança: por mais que as histórias de super-heróis precisem da “suspensão da descrença”, sempre é necessária uma dose de verossimilhança.

She-Hulk passou um período aparecendo em outras séries, participou do primeiro evento Contest of Champions (1982) e entrou nos Avengers… a grande virada da personagem viria na primeira Secret Wars (1984), quando, surpreendentemente, entraria para o Fantastic Four. John Byrne não só revolucionou a primeira equipe da Marvel, como também reformulou She-Hulk. Mas, mesmo com a participação em Fantastic Four e com uma graphic novel exclusiva da She-Hulk, Byrne ainda guardava na manga a grande modificação: a primeira série Sensational She-Hulk (1989).

Nessa série, She-Hulk era apresentada em aventuras hilárias, beirando o non-sense, mas ainda bem escritas e verossímeis. Além disso, Byrne abusava da “quebra da quarta parede” (quando o personagem da história conversa com o leitor). Isso não era bem uma inovação, pois estava até na moda na série live-action Moonlighting (A Gata e o Rato), que fazia sucesso na TV na época, mas era uma coisa diferente nos comics.

O “pai” da She-Hulk foi, portanto, John Byrne, que acertou a personagem e viabilizou as várias séries regulares estreladas pela personagem. Será que a história teria sido diferente se Stan Lee tivesse explorado essa veia cômica desde o começo?

Fontes:

Revistas referidas

Official Handbook of the Marvel Universe

Wikipedia