Fantastic Four de Jim Lee – o melhor de Heroes Reborn? – parte 2

Como falamos na primeira parte do post, Fantastic Four (1996) é tido como o melhor dos títulos de Heroes Reborn. Jim Lee corroteirizou as 12 edições com Brandon Choi, seu parceiro criativo já no principal título de Jim Lee na Image, Wild CATS. Lee também desenhou as primeiras 6 edições, com as 6 restantes sendo divididas por Brett Booth e Ron Lim.

Quando falamos de organização, estamos falando que Lee e Choi se preocuparam em ligar boa parte dos personagens entre si. Embora o roteiro seja algumas vezes raso (como era o padrão nessa época dos anos 1990), há uma rede de conexões entre os fatos, mostrando que houve planejamento. A própria “condição rasa” do roteiro poderia ser proposital – pois aparecem dicas aqui e ali que estamos vendo uma história “criada por uma criança”. E isso, na verdade, era o grande segredo de todas as revistas de Heroes Reborn: Franklin Richards era o “condutor” da origem recontada dos personagens.

Basicamente, tudo (na série Fantastic Four) era ligado a Galactus que, na versão Lee/Choi, assumiu uma caracterização semelhante à dos Celestials no universo original. Como assim? Eu explico: Galactus plantaria “sementes genéticas” em vários planetas eras atrás, para que esses planetas “amadurecessem” para que pudessem ser consumidos por ele. Ou seja, Galactus semearia vida ou, pelo menos, promoveria a evolução da vida com o objetivo de se alimentar dela. Seus arautos seriam responsáveis por verificar essas “plantações” e anunciar a chegada de Galactus para se alimentar.

Essas sementes genéticas seriam reforçadas pela energia cósmica (da criação do Universo), dominada por Galactus – essa energia cósmica daria os poderes aos arautos e também proporcionaria a abertura de buracos de minhoca para o transporte interestelar dos arautos e Galactus. Só isso? Não.

Os Inhumans teriam sua Terrigen Mist derivada dessas sementes e da energia cósmica. Por isso, adoravam Galactus e os arautos como deuses, assim como também Mole Man. Por outro lado, o próprio Fantastic Four ganhou seus poderes por exposição à energia cósmica que Silver Surfer trouxe ao se aproximar da Terra – aliás, a nave experimental em que Reed Richards trabalhava foi exposta a essa energia cósmica ao tentar chegar à “anomalia espacial” (o buraco de minhoca) antes que a SHIELD chegasse lá e a destruísse. A explosão da anomalia, junto com a chegada de Silver Surfer e mais a nave não protegida que continha o futuro Fantastic Four (nave batizada aqui como “Excelsior”) resultaram em seus poderes.

Essa “SHIELD”, porém, não era a verdadeira – era comandada por um “Wyatt Wingfoot” impostor (lembrando que, no Universo Marvel original, Wingfoot era amigo do Human Torch (Johnny Storm)). O impostor era um skrull – mais precisamente, Kl’rt (sim, o Super-Skrull).

Silver Surfer caiu na Terra em Wakanda, trazendo Black Panther à história. Isso atraiu o “Wingfoot” impostor e seu “chefe”, Doctor Doom. Doom queria absorver a energia cósmica de Silver Surfer para si – a mesma coisa que Kl’rt (que conseguiu, e se tornou o Super-Skrull).

Como se pode ver, tudo estava ligado e conectado… e a edição #12 é parte de um crossover dos quatro títulos de Heroes Reborn em que os heróis da Terra se juntam para enfrentar Galactus.

Lee e Choi também modernizaram os membros do Fantastic Four: Sue Storm e Johnny Storm se tornaram investidores da pesquisa de Reed Richards (que pretendia desenvolver um voo tripulado para Marte), representando a Storm Foundation; Johnny ainda era dono de um cassino em Las Vegas; já Ben Grimm era agora um veterano da Primeira Guerra do Golfo (1991) que tinha problemas em sua ficha corrida – amigo antigo de Reed, sonhava ser astronauta, mas só conseguia ser piloto de provas. A “técnica” de modernização foi a mesma que seria usada na concepção do Ultiverse alguns depois (se bem que, no Ultiverse, os membros do Fantastic Four foram rejuvenescidos).

Uma ideia que seria reaproveitada no Ultiverse foi a existência de um grupo de cientistas com origens ligadas: Reed Richards, Victor von Doom, Bruce Banner, Tony Stark, Hank Pym e Rebel o’Reilly (este criado especialmente em Heroes Reborn). Esse grupo, chamado de Atomic Knights of the Round Table, estava no cerne das tramas do universo de Heroes Reborn. Inclusive, a origem de Doctor Doom era ligada a esse grupo, em que ele quis testar sozinho um dos projetos do grupo: uma exoarmadura que, ao explodir, causou a desfiguração de Doom e se tornou sua armadura posterior.

Por fim, como já dissemos, começaram a surgir pistas de que os heróis “exilados” retornariam ao universo original, principalmente quando o Fantastic Four explorou a Negative Zone (aqui transformada em um universo de “passagem” (no caso, dos buracos de minhoca). Encontrando-se com o Watcher por lá, os membros do Fantastic Four viram cenas de seu “passado” (no universo original, onde eram mais velhos) e, a partir daí, Sue Richards (Invisible Woman) começou a ter visões de seu filho, Franklin, inclusive brincando com a bola azul (que era o próprio universo de Heroes Reborn). O próprio Doctor Doom “original” também apareceu em Heroes Reborn, dando informações à sua contraparte.

O sinal definitivo de que Heroes Reborn iria acabar foi que Sue, que seria estéril em Heroes Reborn, se viu grávida. Como? Isso não chegou a ser desenvolvido, mas mostrava nitidamente que o projeto chegava a seu fim.

Quando os heróis retornaram ao Universo Marvel e suas séries foram relançadas com grandes equipes criativas, as franquias estavam recuperadas. Se o efeito de renovação de interesse de Heroes Reborn foi passageiro, foi certeiro em sua “rejeição”: afinal, as franquias tiveram um ímpeto renovado quando as “versões originais” retornaram, como os fãs queriam.

Quanto a Fantastic Four de Jim Lee, é a única série de Heroes Reborn que foi reimpressa em encadernados pela Marvel por um bom período. Só isso já indica sua qualidade maior com relação às outras séries do selo. E, claro, o traço de Jim Lee nas primeiras seis edições também era um grande diferencial.

Fontes

Revistas referidas

HOWE, SEAN – Marvel Comics The Untold Story

SANDERSON, PETER – Marvel Chronicle

Wikipedia

Fantastic Four de Jim Lee – o melhor de Heroes Reborn? – parte 1

Heroes Reborn foi o primeiro experimento de terceirização da Marvel (o selo Marvel Knights, surgindo alguns anos depois, foi a mais bem sucedida dessas iniciativas) – por ele, a Marvel terceirizou a produção de histórias de Fantastic Four, Iron Man, Captain America e Avengers para os estúdios de Jim Lee (dois primeiros) e Rob Liefeld (dois últimos). Os dois eram membros do “grupo rebelde” que abandonou a Marvel em 1992 para formar a editora Image e começavam a retornar à Marvel com essa iniciativa.

A história dessa terceirização (que foi lançada oficialmente em novembro/1996) tem a ver com o momento econômico da Marvel (que protocolizou seu famoso pedido de concordata em dezembro/1996) e também com o péssimo perfil de vendas dos títulos envolvidos. É verdade que o projeto já estava em andamento meses antes de seu lançamento, mas já havia uma perspectiva de necessidade de medidas corretivas no plano empresarial da Marvel.

Ao contrário do que muitos dizem, a Marvel não pediu concordata por causa dos quadrinhos (que continuaram sempre liderando o mercado), mas sim porque quis se tornar uma “corporação”, adquirindo várias empresas de diferentes ramos de entretenimento. O tamanho que a Marvel atingiu era maior do que suas ações em bolsa podiam suportar.

Some-se a isso que 1996 também foi o ano do início da bolha especulativa do mercado de comics americano, que atingiu seu auge em 1997. Essa bolha especulativa se deu pela inundação de títulos e capas alternativas no mercado – comprava-se revistas para “investir” e, depois, revender. Isso estourou quando se percebeu que não havia quem comprasse (os especuladores eram mais ativos que os leitores e fãs).

Portanto, não só a Marvel sentiu um baque em suas vendas, mas as outras editoras também. No caso da Marvel, títulos regulares sem tradição ou público potencial foram cortados sumariamente, mas alguns títulos tradicionais da editora estavam vendendo mal e precisavam de atenção. Apesar de Captain America ter começado a reagir, com a equipe criativa de Mark Waid/Ron Garney (já fizemos um post do primeiro arco dessa fase aqui no blog), isso já não era suficiente para os executivos da Marvel.

Usando o evento Onslaught (1996) como pretexto, a Marvel “matou” os heróis que participariam da iniciativa Heroes Reborn, iniciando um período interessante em que o Universo Marvel lidava com a ausência trágica desses heróis. Por outro lado, esses heróis foram “rebootados” em outro universo (chamado Heroes Reborn), com histórias modernizadas e produzidas pelo pessoal da Image. Hoje sabemos que eles foram salvos pelos poderes inimagináveis de Franklin Richards (filho de Reed e Sue Richards, do Fantastic Four) e tiveram sua “história” reescrita pelo garoto.

O projeto deu certo, principalmente no lado da Wildstorm (estúdio de Jim Lee). As revistas capitaneadas por Rob Liefeld não tiveram tanto sucesso e ainda houve a quebra do contrato – Jim Lee assumiria as séries que estavam com Liefeld a partir da edição #7. Heroes Reborn durou 12 edições (novembro/1996-outubro/1997), e ainda houve uma décima-terceira edição das 4 séries, que foi um crossover com os personagens da própria Wildstorm (hoje na DC).

A Marvel ficou satisfeita com o resultado final, e já havia até um segundo ano planejado. Jim Lee já disse que a Marvel ofereceu a continuação indefinida do projeto, com a condição de que Lee desenhasse sempre uma série – e isso não teria sido aceito por Lee. Foi por isso que acabou?

Nem tanto, pois, após um grande sucesso movido pela curiosidade nas primeiras edições, as séries começaram a perder o interesse dos fãs. Havia também a grande reação dos fãs da Marvel, apontando que reboots não eram uma tradição da Marvel. Nesse período de internet inicial, os fóruns de discussão já cornetavam contra a iniciativa – e, provavelmente, essa foi uma das razões por que o Ultiverse nunca substituiu o Universo Marvel original, apesar de seu grande sucesso por um longo período. E isso começou a ficar nítido quando a Marvel começou a indicar claramente nas histórias que os personagens eram os mesmos “mortos” e que poderiam voltar ao universo original.

Mesmo assim, há um consenso geral: o melhor dos títulos (em termo de estrutura de roteiro, enredo e arte) era Fantastic Four. Fantastic Four também era o título “principal”, onde as pistas da resolução do mistério apareciam. Jim Lee desenhou apenas as primeiras 6 edições, mas foi o corroteirista de todas as 12 edições, mostrando organização no que estava produzindo (diferentemente do outro terceirizado…).

Vamos relembrar essa série na segunda parte do post.

Fontes

Revistas referidas

HOWE, SEAN – Marvel Comics The Untold Story

SANDERSON, PETER – Marvel Chronicle

Wikipedia