Fantastic Force: O início e o fim da carreira de roteirista de Tom Brevoort – parte 2

Conforme discutimos na primeira parte deste post, falamos que o editor executivo Tom Brevoort já teve sua chance como roteirista de quadrinhos, em parceria com Mike Kanterovich. Além de algumas histórias ocasionais em alguns títulos, Brevoort e Kanterovich ficaram responsáveis por uma série de 18 edições: Fantastic Force (1994). A Fantastic Force foi criada por Tom DeFalco, que preparou o terreno em histórias do Fantastic Four.

Na época, Mister Fantastic havia “morrido”, junto com Doctor Doom, (na verdade, estavam perdidos no tempo), e Invisible Woman liderava a equipe com Human Torch e Thing, além de Ant-Man (Scott Lang), Namor e Lyja (a esposa skrull de Human Torch) auxiliando quando necessário. Franklin Richards, o “garoto que nunca cresce”, estava adolescente. Por que eu falei “estava”? Porque ele foi levado para outra realidade por seu avô, Nathaniel Richards, onde permaneceu vários anos treinando seus poderes mentais. Essa realidade já era conhecida dos leitores da Marvel – era o “presente alternativo” de Elsewhen. Nathaniel “raptou” seu neto porque ele seria importante em fatos que se desenrolariam. Além de voltar mais experiente, Franklin também veio com uma armadura especial para controlar seus poderes, assumindo o codinome de Psi-Lord.

A filha de Nathaniel no Elsewhen, Huntara, também veio para a realidade 616 (a principal da Marvel), inicialmente como vilã e membro do Fearsome Four. Huntara estava ali para ajudar o sobrinho quando fosse necessário, usando sua força ampliada, velocidade sobre-humana e uma foice psíquica (!?). Ao mesmo tempo, somos apresentados a um adolescente de Wakanda, chamado N’Kano (codinome Vibraxas), com poderes vibratórios descontrolados – o que leva Black Panther, seu soberano, a procurar o Fantastic Four para poder treiná-lo (?!) (Black Panther não podia fazer isso?); não bastasse isso, Black Panther se encontrou com os Inhumans (para quê?!!), e Black Bolt (o soberano dos Inhumans, se você não sabe) apresentou seu próprio problema: um jovem inhuman chamado Devlor. Devlor é um inhuman “diferente”, pois é transmorfo – ele é “humano”, mas se transforma em uma criatura simiesca. A diferença é que ele pode ter duas formas, o que não é comum entre os Inhumans, e gera preconceito. Black Bolt quer que ele se controle também.

Muito bem, em certo momento, o Fantastic Four enfrentou um vilão poderoso, o Dark Raider, que era um Reed Richards “do mal” da realidade 944. A derrota do vilão, porém, tem uma consequência séria: os 3 membros restantes do Fantastic Four se separam (isso acontece em Fantastic Four (1961) #392 (setembro/1994)) – aí surge a Fantastic Force, “substituindo” o Fantastic Four e orientada por Black Panther.

Embora Psi-Lord e Huntara já estivessem aparecendo há um tempo razoável nas histórias do Fantastic Four, Vibraxas e Devlor apareceram “de repente”, o que pareceu ser algo feito no afogadilho. Em uma época de expansão desenfreada das linhas de quadrinhos, como já falamos antes, isso era bastante comum – não se pensava muito em planejar as coisas: tinha-se a ideia, obtinha-se aprovação e já se começava a pôr a mão na massa. Assim, ninguém esperava que viria algo desse tipo, mas fazia parte da moda da época, como também já dissemos.

E, pela mesma razão, todo mundo que estivesse disponível para produzir essa explosão de revistas ganhava suas chances. Dessa forma, Tom Brevoort recebeu a ajuda de Mike Kanterovich no roteiro e contou com a arte do italiano Dante Bastianoni (estreando nos EUA). Fantastic Force deveria “substituir” Fantastic Four, mas, na verdade, a revista Fantastic Four continuou saindo, apresentando o que acontecia com os membros separados da equipe. Mas, isso modificou alguma coisa?

A revista Fantastic Four não vinha sendo um grande sucesso de vendas nos últimos tempos, mesmo que houvesse toda a avalanche de revistas lançadas a toda hora. É por essa razão, inclusive, que tivemos a linha Heroes Reborn (terceirização de 4 títulos, incluindo Fantastic Four, para a Image) – para alavancar as vendas usando os grandes astros da época. Bem, nessa situação, havia uma aposta de que Fantastic Force podia vender melhor? Talvez pela “atualização” do conceito e, certamente, com um lançamento desde o número 1.

Isso não aconteceu na prática, mesmo com o título sendo publicado por um ano e meio. E, provavelmente, também porque o roteiro não era muito caprichado. A sequência dos eventos e confrontos era rasa, corrida e gratuita – por exemplo, na primeira edição, Klaw aparece do nada na sede do grupo… para quê? Para se vingar de Huntara, sua companheira no Fearsome Foursome? Não fica claro e é tudo muito corrido.

A caracterização dos personagens também é cheia de clichês, inclusive com “lições de moral” – Vibraxas é orgulhoso e nariz empinado e Devlor é um covarde que demonstra inabilidade quando é forçado a atuar. Por outro lado, Huntara era retratada como estando sempre no limite de perder o controle e ser violenta e Psi-Lord era o líder sempre em dúvida e dilemas existenciais. Isso aparentemente foi sendo percebido pelo editor e pelos roteiristas, que resolveram colocar mais “pimenta” nessas caracterizações: Vibraxas matou um inimigo acidentalmente e ficou traumatizado, sendo até mesmo perseguido pela polícia; Devlor morreu e ressuscitou; Huntara teve sua origem questionada, quando foi identificada como sendo uma pessoa que estava desaparecida; e Psi-Lord demonstrou toda a sua instabilidade psíquica ao criar manifestações físicas de suas facetas psíquicas: Tattletale, Ego-Spawn e Avatar.

O próprio Black Panther estava meio diferente, com uma aparente limitação de sua capacidade de liderança e sua inteligência. Mesmo assim, a partir do momento em que se concluiu que os membros adolescentes não estavam aprovando, Black Panther entrou na ativa do grupo, assim como Human Torch e She-Hulk também se juntaram à equipe. Nada disso ajudou, com a equipe sendo dissolvida quando Mister Fantastic voltou do passado distante e o Fantastic Four se formou novamente.

E o que ficou de legado de Fantastic Force? Praticamente nada. A série (que durou 18 edições, entre novembro/1994 e abril/1996) não deixou saudade, com Psi-Lord voltando pouco depois a ser criança e os outros adolescentes praticamente indo para o limbo dos quadrinhos (aparecem aqui e ali esporadicamente). Os eventos ocorridos não tiveram nenhuma repercussão e/ou referenciação na cronologia/continuidade. A ressaca foi tão grande que se levaram muitos anos para surgir um novo grupo ligado ao Fantastic Four (no caso, as duas versões da FF – a outra Fantastic Force era de um futuro alternativo, não relacionado), e também se encerraram as carreiras de Brevoort como roteirista e de Kanterovich e Bastianoni na Marvel. Brevoort lucrou mais como o editor competente que se tornou… hehe

Fontes:

Revistas referidas

Fantastic Force: O início e o fim da carreira de roteirista de Tom Brevoort – parte 1

Quem acompanha a Marvel regularmente conhece o nome de Tom Brevoort, que está sempre presente em panels de convenções de quadrinhos e dá entrevistas para a mídia. Brevoort entrou na Marvel em 1989 como estagiário não remunerado e foi crescendo dentro da empresa, como editor assistente e editor, tendo sido editor dos títulos de Avengers e Fantastic Four por um longo período, continuando nesse cargo até mesmo quando se tornou editor executivo da Marvel em 2007. O editor executivo é um cargo imediatamente abaixo do editor-chefe, e ele continua nesse cargo até hoje, mesmo depois de também ser indicado para ser vice-presidente sênior de publicação em 2011 (aí deixando de editar as revistas diretamente). Portanto, é uma figura bem conhecida e bem importante dentro da empresa.

Por outro lado, temos uma antiga “tradição”, de que vários roteiristas dos comics eram geralmente fãs de quadrinhos que entraram nos bastidores e começaram sua carreira como… editores assistentes ou editores. Assim, era de se esperar que Tom Brevoort, com uma atuação nessa área. Isso era meio natural porque os editores participavam de todo o processo de criação, produção e montagem das revistas e, assim como goleiros geralmente têm boas chances de se tornarem técnicos de futebol por enxergarem todo o time durante os jogos.

Brevoort teve sua oportunidade, mas em um momento não muito propício, já que a moda da época envolvia estilos bem rasos. Sim, estamos falando dos anos 1990, que são geralmente motivo de muita piada e lembranças bizarras… hehe

Já falamos aqui no blog, na coluna A Bit o’ Navel, de que essa “lenda” de que o material dos anos 1990 era todo “descartável” e “péssimo” não é totalmente verdade. Houve materiais excelentes nessa época, e que se tornaram clássicos até hoje… mas, sim, também houve muita tranqueira, que também existe em todas as épocas… hehe. De qualquer forma, os anos 1990 tiveram uma coincidência de que o que era tosco ou fraco vendia muito. Foi um período em que se vivia a bolha especulativa dos comics, em que muitos colecionadores compravam várias cópias de revistas para especular em revenda (principalmente com o estímulo de capas variantes, cromadas, metalizadas, cards de brinde, etc). Mesmo editoras menores e independentes vendiam muito bem também – e, por isso, as editoras possuíam linhas enormes de séries saindo todos os meses. Com esse excesso de oferta, obviamente mais gente foi contratada (para escrever e desenhar), e o padrão geral caiu. Eventualmente a bolha estourou, e a Marvel quase faliu (não só por isso, mas também), assim como várias outras editoras menores fecharam ou tiveram de mudar seus modelos de negócio.

Muitos especialistas apontam a “imagização” do mercado como o grande culpado por isso – um grupo de astros desenhistas da Marvel resolveu fundar sua própria editora (Image), valorizando mais o visual do que o texto (afinal, eram desenhistas originalmente). A Image foi um sucesso enorme e esse estilo se espalhou por todas as outras. É verdade até a página nove… já que, sim, a “imagização” criou essa coqueluche no mercado, ditando as tendências, mas esses artistas já haviam começado a fazer isso na Marvel, assim como a DC e outras editoras já estavam embarcando nesse rumo – ou seja, os criadores da Image apenas incrementaram e amplificaram a tendência.

Então foi nessa época que Brevoort recebeu sua chance como roteirista e… bem… não deixou saudades. Aliás, Brevoort nem mesmo fez os roteiros sozinho – ele fez parceria com o roteirista Mike Kanterovich, que vinha da Archie Comics. Essa parceria fez algumas histórias isoladas de Spider-Man, Sleepwalker e Secret Defenders, além de algumas edições de licenciamentos publicados pela Marvel (Mad Dog e Double Dragon). A dupla, porém, teve uma série exclusiva sob seus cuidados: Fantastic Force (1994), que durou 18 edições (novembro/94-abril/96), com arte do italiano Dante Bastianoni (desenhista do fumetto (quadrinho italiano) Nathan Never).

Essa é a primeira Fantastic Force da Marvel (houve uma mais recente, nos anos 2000, com um conceito muito mais elaborado, por Mark Millar, e sem relação com a anterior). Pelo nome, já se vê que estava nessa vibe da época, de criar versões “militarizadas” ou “extremas” de equipes de super-heróis, geralmente com a palavra “Force”. Fantastic Force não era militarizada, mas tinha uma postura mais assertiva e arriscada que o Fantastic Four original.

A equipe foi criada por Tom DeFalco, então ainda editor-chefe da Marvel e que escrevia a série de Fantastic Four há anos (DeFalco ficou na revista entre 1991 e 1996), onde criou vários personagens, entre heróis, vilões e coadjuvantes, como também fez em seu período na revista de Thor (onde ficou entre 1987 e 1993).

Em Thor, DeFalco criou a equipe dos New Warriors, que foi um sucesso na primeira metade dos anos 1990 e criou uma base fiel de fãs até hoje. Esse resultado empolgou DeFalco a criar outra equipe adolescente – Fantastic Force. A ideia era criar uma versão “New Mutants” do Fantastic Four, com heróis adolescentes sendo “treinados” para assumir a equipe no futuro. Até aí, nada de muito diferente do que se vê por aí, sendo até um recurso comum em universos compartilhados. A questão é como isso aconteceu – e, no final das contas, DeFalco acabou “substituindo” a equipe original por essa nova… bom, mais ou menos.

Vamos ver como isso aconteceu na segunda parte deste post.

Fontes:

Revistas referidas