DP7: Paranormais realmente deslocados! – parte 3

Como vimos na segunda parte do post, Gruenwald achava que o New Universe seria apenas um experimento e se encerraria lá pela edição 12 (algumas séries já haviam sido canceladas, como Kickers Inc. e Marc Hazzard – Merc). Portanto, não havia plot planejado para além da edição 13. Isso teria reflexos patentes pelo restante da série, e teria de ser resolvido logo.

Gruenwald tinha condição de tirar isso de letra, pois era um roteirista experiente (embora tenha mantido a distância de apenas uma edição para desenvolvimento do plot – ou seja, ele escrevia o plot da continuação da história apenas depois que terminava a edição anterior), mas cabe aqui ressaltar que, mesmo parecendo ser uma produção moderna, havia ali uma série de “vícios”, principalmente aqueles que agradavam a Jim Shooter – que eram de sempre incluir dilemas pessoais nas histórias dos personagens, para conferir “profundidade” às caracterizações.

Gruenwald extrapolou nisso em toda a série, não só nessas edições iniciais “planejadas”, de forma que a leitura se torna chata e incômoda quando se martela sempre as mesmas coisas – como, por exemplo, o amor não correspondido entre Friction e Antibody (inclusive com uma leve discussão racista), a saudade dos filhos e do marido que aflige Glitter, o amor platônico e adolescente de Mastodon por Glitter e daí por diante.

A falta de planejamento também se refletiu na constante mudança de plots da série, que foi se tornando cada vez mais uma história de super-heróis. Passamos para uma fase em que os DP7 administram a clínica (e, inclusive, lidando com a formação de gangues que provocam conflitos), depois se envolvem com o evento The Pitt, a clínica é desativada, os membros do sexo masculino são alistados no Exército para uma eventual guerra contra a URSS (evento The Draft) e as mulheres se tornam agentes da CIA (?!?) e, finalmente, Twilight morre, Mastodon e Antibody desertam, Glitter se separa do marido e todos tentam nova vida em Nova York, onde encontram um curandeiro que “cura” alguns deles.

Novos personagens foram incluídos, como Mutator e Sponge, um membro veio da equipe Psi-Force, e até Jenny Swensen (que pilotava a armadura tecnológica Spitfire, com título próximo, já cancelado) se juntou ao grupo e sofreu mutação, tornando-se uma mulher com pele metálica e superforça, com codinome Chrome. E Chrome até começou a atuar como super-heroína com um tal Captain Manhattan.

E isso também foi outro problema complicador: Gruenwald acrescentou uma grande quantidade de novos personagens, que tornou toda a série difícil de gerenciar. Com isso, pode-se ver que se perdeu totalmente a espinha dorsal da série. DeFalco até propôs uma “repactuação” do New Universe quando assumiu como editor-chefe, mas Gruenwald praticamente ignorou.

Mesmo com tantos problemas, Gruenwald abordou temas ousados para a época, como eutanásia, abuso de menores, militarismo, AIDS (que estava no auge da paranoia), apesar do rame-rame psicológico exagerado dos dilemas pessoais dos personagens. E isso contrastava com algumas abordagens mais infantis e ingênuas de alguns personagens ou situações, que era denunciada pelos diálogos ou pelos próprios pensamentos de dilema de cada personagem.

Gruenwald e Ryan (ambos falecidos atualmente) adoravam seus personagens, mas nem isso salvou DP7 do cancelamento – e até, inclusive, na edição final, fala-se que a despedida é apenas da “versão mensal” da revista. De fato, Paul Ryan disse mais recentemente que havia planos de uma minissérie e uma graphic novel de DP7, a serem produzidas pela dupla. Infelizmente, Gruenwald faleceu antes de concluir o plot desse material.

Houve um revival de DP7 em um one-shot em 2006, mas, apesar de Ryan ainda estar vivo, a produção ficou com C.B. Cebulski e M.D. Bright, com um resultado morno.

DP7 não chegou a ser “rebootado” na série Newuniversal, de Warren Ellis, mas poderia ter alguns personagens “importados” para o Universo Marvel atual, assim como já aconteceu com Starbrand, Nightmask e Spitfire (que se suspeita ser Pod, dos New Avengers).

Fontes:

Revistas referidas

HOWE, Sean – The Untold Story of Marvel Comics

SANDERSON, Peter – Marvel Chronicle

Wikipedia

DP7: Paranormais realmente deslocados! – parte 2

Como dissemos na primeira parte do post, DP7 (1986) foi a única série do New Universe que não mudou de equipe criativa: Mark Gruenwald (roteiro) e Paul Ryan (arte). Apenas o anual da série foi desenhado por outro artista, Lee Weeks. Foram 32 edições entre novembro/1986 e junho/1989. Foi um dos grandes sucessos da linha, mas isso não quer dizer que tudo estivesse perfeito.

De fato, embora exibisse novidade e modernidade na época de seu lançamento, DP7 foi progressivamente se tornando mais e mais uma versão mais “light” do Universo Marvel. Não que os personagens do Universo Marvel aparecessem por lá, mas na temática, no estilo de histórias e na caracterização de personagens. Não bastasse isso, perdeu-se o rumo do plot – não se sabia para onde se estava indo.

Mark Gruenwald estava entusiasmado com o projeto do New Universe – curiosamente, foi uma surpresa, pois Gruenwald era o maior especialista na cronologia do Universo Marvel e estava totalmente embrenhado na organização do mesmo. Provavelmente o desafio de criar personagens e universo do nada era mais atraente. Esse interesse foi tamanho que Gruenwald fez um estudo de 14 grupos de heróis diferentes, e resolveu criar algo diferente esses grupos já existentes.

A ideia surgiu no final da minissérie Squadron Supreme (1985), sua obra-prima nos comics. As últimas 4 edições da minissérie (e a graphic novel posterior) foram desenhados por Paul Ryan, que recebeu convite de Gruenwald para acompanhá-lo no New Universe. Com seu traço clássico e ao mesmo tempo moderno, Ryan seria uma escolha apropriadíssima para um universo “mais real” – e não tinha nada engatilhado no momento.

Gruenwald queria que a revista se chamasse Missing Persons (Pessoas Desaparecidas) – desde o início ele queria mostrar um grupo de paranormais em fuga (isso também foi aproveitado por Jim Shooter na Valiant, com a série Harbinger). Inicialmente, Gruenwald criou um grupo de 6 paranormais, mas desses daí apenas dois vingaram no formato final: Blur e Twilight. Gruenwald mudou o nome da série para Missing Paranormals (Paranormais Desaparecidos), para evidenciar do que se tratava e, finalmente, aceitou a sugestão de Jack Morelli – mudou para Displaced Paranormals (Paranormais Deslocados) – e daí veio a sigla DP7, porque Gruenwald queria uma vibe meio punk, meio new wave (as tendências da época).

Muito bem, Gruenwald chegou aos 7 personagens básicos da história, todos morando no estado de Wisconsin: Blur (Jeff Walters, um supervelocista, que parecia um borrão por estar sempre se mexendo), Twilight (Lenore Fenzl, uma representante da terceira idade que emite uma luz calmante a partir de sua pele – esse poder se revela depois ser “vampiresco”, pois ela absorve a energia vital das pessoas e se rejuvenesce), Scuzz (Scuzz Cuzinsky, um adolescente rebelde e encrenqueiro que exala ácido pelos poros da pele – isso depois evoluiria para fogo em situações de estresse), Friction (Charly Beck, que consegue controlar mentalmente o atrito em suas proximidades, tornando superfícies escorregadias ou “grudentas”), Glitter (Stephanie Harrington, uma dona de casa que emite energia como faíscas a partir do corpo e cuja energia extra hiperativa as pessoas ao redor – ela também se torna superforte em um efeito rebote), Mastodon (Dave Landers, um “gigante” musculoso e superforte, cujo corpo continua desenvolvendo músculos) e Antibody (Randy o’Brien, um médico que gera “cópias negativas” autônomas de si mesmo).

Inicialmente, os sete se encontram em uma clínica de estudo e auxílio aos paranormais surgidos após o White Event (o evento cósmico que concedeu esses poderes), só que descobrem que a real intenção da clínica é transformá-los em armas vivas, para propósitos próprios ou futura “venda”). Isso cria revolta e os sete se tornam fugitivos da clínica, que envia agentes para captura-los.

Essa premissa original se manteve nas primeiras 13 edições, com os fugitivos sendo recapturados e eventualmente recondicionados mentalmente, até que Antibody e Mastodon se libertam e descobrem toda a tramoia, inclusive de que o diretor da clínica, Philip Voigt, era ele mesmo um superparanormal, capaz de replicar e amplificar os poderes de outros paranormais. Seu objetivo? Conquistar o mundo, colocando os paranormais como casta superior da humanidade.

Quem lê as edições 12 e 13 percebe que elas concluem uma fase – e é justamente esse o caso: Gruenwald não apostava que a série durasse mais que 12/13 edições e não possuía um plot de longo prazo para a série. Mesmo durante essa fase bem-sucedida, também havia críticas quanto ao “furo” cronológico – embora a premissa do New Universe indicasse uma passagem de tempo semelhante à dos leitores, Gruenwald ignorou isso e fez com que essas edições transcorressem em apenas cerca de um semestre.

De qualquer forma, isso não foi suficiente para inviabilizar a série, pois tratava-se de um “detalhe técnico” – no entanto, havia um problema mais sério a enfrentar: o que contar se Gruenwald não havia planejado nada além disso? É o que veremos na terceira parte do post.

Fontes:

Revistas referidas

HOWE, Sean – The Untold Story of Marvel Comics

SANDERSON, Peter – Marvel Chronicle

Wikipedia

DP7: Paranormais realmente deslocados! – parte 1

Em 1986, o então editor-chefe da Marvel, Jim Shooter, queria uma comemoração especial para os 25 anos do Universo Marvel como conhecemos hoje (que começou em 1961, com o lançamento de Fantastic Four). A ideia que teve foi sui generis: comemorar o surgimento de um universo ficcional com o surgimento de outro!

Na verdade, essa foi a consequência final – Shooter queria mesmo era rebootar o Universo Marvel (sim, Shooter teve uma ideia semelhante à do Universo Ultimate anos antes), atualizando as origens e a caracterização dos personagens aos anos 1980. Também pretendia prover um ponto de partida para os novos leitores, talvez influenciado por Crisis on the Infinite Earths da DC. A ideia foi rejeitada pelos executivos da Marvel porque… não havia necessidade. A Marvel estava em um ótimo momento, principalmente depois da “DC Implosion” (a DC inclusive ofereceu títulos à Marvel para “terceirização”) – ou seja, o Universo Marvel era um sucesso como estava e não havia a reclamação-muleta (tão usada hoje em dia) de que a cronologia era um peso. Muito pelo contrário, Shooter capitaneou talvez o período em que a cronologia e a continuidade da Marvel foram mais bem preservadas e organizadas!

A ideia de um “universo virgem”, no entanto, não foi abandonada. Shooter recebeu um orçamento de US$ 120.000 para fazer acontecer. O projeto foi repassado para Tom DeFalco, que deveria organizar um novo universo de heróis, sem relação com o Universo Marvel. E o negócio não foi para a frente. Foi justamente quando Shooter tomou a frente do projeto que a coisa andou. A definição das “regras” do novo universo foi feita em conjunto entre ele, DeFalco, Mark Gruenwald, Archie Goodwin, Elliott Brown (designer) e John Morelli (letrista).

A novidade seria a forma como esse novo universo funcionaria. Uma das coisas que marcou o sucesso da Marvel no ramo de super-heróis foram histórias mais “reais”, com os heróis enfrentando problemas do dia a dia ao mesmo tempo em que enfrentavam vilões, alienígenas, etc.  Outros fatores que conferiram sucesso à Marvel foram justamente cronologia e continuidade. Shooter queria ir além desses elementos: assim nasceu o New Universe, um universo sem superseres até o misterioso White Event (ocorrido em 22 de julho de 1986, às 4:22 da manhã do horário de Nova York). Esse White Event conferiu superpoderes a alguns humanos, que assim começariam a se adaptar às suas novas realidades e seus novos poderes – esses humanos passariam a ser chamados de “paranormais”. Afora isso, não haveria alienígenas, deuses, monstros e criaturas, nem raças ocultas e civilizações perdidas. Bem, não em excesso, pelo menos. Da mesma forma, as histórias ocorreriam com datas definidas, tentando reproduzir o nosso próprio fluxo de tempo.

Com essa definição, partiu-se então para a definição dos títulos e personagens – e foram lançadas oito séries regulares logo no início! Dessas 8, 4 duraram até o final da linha, em 1989. Curiosamente, o New Universe durou mais que Shooter na Marvel (que saiu em 1987) – Shooter foi substituído no cargo por DeFalco, que ainda tentou salvar o New Universe, sem grande sucesso. Shooter, no entanto, levou esse conceito de novo universo para a editora Valiant, que começava em 1988 a montar seu primeiro universo (e esse conceito durou alguns anos, enquanto Shooter foi seu editor-chefe também).

Depois de alguns anos aparecendo em crossovers com outras séries (como Quasar e Exiles), o New Universe foi revivido em alguns especiais em 2006 e, posteriormente, sofreu um “reboot”, correspondendo ao projeto Newuniversal (também em 2006), de Warren Ellis, que foi interrompido.

Dos 4 títulos que sobreviveram até o final, um deles tem o destaque de ter tido uma única equipe criativa: DP7 teve suas 32 edições produzidas por Mark Gruenwald (roteiro) e Paul Ryan (arte). Apenas o anual foi desenhado por Lee Weeks, e não Ryan.

DP7 é a sigla para Displaced Paranormals 7 – que não era o nome que Gruenwald queria originalmente. Vamos ver qual era o nome original, como Gruenwald desenvolveu os personagens e o que foi a série em si na segunda parte deste post.

Fontes:

Revistas referidas

HOWE, Sean – The Untold Story of Marvel Comics

SANDERSON, Peter – Marvel Chronicle

Wikipedia